sábado, 16 de março de 2024

É deixá-los pousar!

 

1. Os comentadores televisivos enfeudados às direitas - quase todos! - andam exultantes: com tanto dinheiro à disposição, Montenegro só tem de repetir o feito por Cavaco Silva em 1985, que conseguiu quase a mesma percentagem e aproveitou o balanço dado por Mário Soares na entrada de Portugal à CEE para aceder aos lautos fundos europeus.

Esquecem, é claro, vários pormenores, que Heraclito sintetizava na sábia conclusão de não haver lugar à passagem do rio pelo mesmo sítio: nem o PS está de rastos como era então o caso (o PRD sangrara-o com o beneplácito de Ramalho Eanes!), nem existia um fator tão perturbador quanto o é o Chega.

E, sobretudo, não contam com a clarividência da atual direção do PS, que saberá colher desse passado as devidas ilações para impedir as direitas de conseguirem o pretendido: perenizarem-se no poder.

Só há que reagir aos agora aparentes vencedores com a conhecida regra do “deixá-los pousar”! E dar-lhes a provar o veneno, que eles andaram a ministrar nestes últimos oito anos!

2. Não é só haver quem queira reverter a lei do aborto dentro de quem se apresta a formar o governo provisório. Embora muito aquém do que pretenderiam os seus defensores mais radicais - em que me incluo! - a lei da eutanásia constituiu avanço de monta para alcançar-se o efetivo direito de cada um decidir sobre o corpo, dando-lhe fim quando as circunstâncias pessoais o aconselharem.

Agora é a ridícula provedora da Justiça, cuja atividade em prol da mesma tem sido desconhecida, a pretender a reversão dessa lei. Demonstração eloquente de como todos os avanços civilizacionais alcançados nos últimos anos podem ser postos em causa por quem deles tem a visão troglodita de tudo se reger pela cartilha de um deus inexistente... 

sexta-feira, 15 de março de 2024

A complexidade do que só alguns acreditam ser fácil

 

1. A pressa de Marcelo em libertar-se de uma governação, que sempre lhe foi antipática - por muito que o quisesse disfarçar! - ficou patente na receção aos partidos sem esperar pelos resultados da emigração. Mesmo que venham confirmar os sinais dados no dia 10 de março, ainda é matematicamente possível um desiderato eleitoral contrário ao anunciado. Até porque, nesta fase, o PS até tem tantos deputados quantos os do PSD.

2. Ainda ficará por fazer a verdadeira história do golpe de Estado, que uniu Belém, o ministério público e diversas corporações (polícias, professores, agricultores), no sentido de darem à direita o usufruto dos resultados das políticas, que iriam agora conhecer o seu lado positivo com os dinheiros do PRR.

Seria necessária uma comissão independente com poder bastante para pôr no banco dos réus os procuradores, que se serviram dos cargos para fustigar sucessivos membros do governo, mas está bem de ver que os beneficiados com o crime - a AD e o Chega - nunca quererão que  tudo se esclareça. O sucedido não tem qualquer semelhança com uma qualquer teoria da conspiração: os factos comprovam crimes contra a Democracia, que não serão devidamente punidos.

3. As esquerdas terão, porém, de superar uma fragilidade: sendo as únicas a saberem quão complexas são as soluções para darem satisfação às ânsias dos eleitores em áreas tão relevantes quanto o são as da saúde, educação ou habitação, dificilmente impedirão as direitas de disseminarem a ideia de tudo se resolver com propósitos demagógicos e simplistas.  Há todo um trabalho de marketing político a fazer pelo PS, pelo Bloco, pelo PCP e pelo Livre para convencerem os agora iludidos pelas trincheiras contrárias, em como aí só na lama se afundarão, porque as respostas efetivas advirão de políticas consistentes como foram muitas das iniciadas nestes últimos oito anos...

terça-feira, 12 de março de 2024

O circunstancial aliado da extrema-direita

 

Um dos paradoxos históricos com que não me conformo e ter Marcelo como presidente como figura proeminente das cerimónias de comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril. Não só foi acontecimento histórico para que em nada contribuiu - ao contrário de Mário Soares e Jorge Sampaio, que tinham sido corajosos oponentes ao regime de então! - como até o terá temido nas consequências potenciais para o progenitor e o padrinho.

Se o seu descontrolado narcisismo o levou a ambicionar a presidência, julgando-se talhado para marcar a História do país durante uma década, os seus erros de avaliação e os preconceitos ideológicos tenderão a reduzi-lo à menoridade correspondente aos seus méritos. Daqui a uns anos, quando estudiosos desapaixonados olharem para este período, terão dificuldade em encontrar explicação para o seu permanente trabalho de sapa destinado a facilitar o regresso da sua família política ao poder, quando os governos socialistas estavam a conseguir um efetivo salto qualitativo nas finanças públicas ao mesmo tempo que preparavam as condições para que,  nos direitos fundamentais - saúde, educação, habitação -, se verificassem melhorias sólidas.

Cortar cerce o acesso ao futuro imediato em que esses governos colheriam os benefícios das suas políticas terá sido o objetivo de um protagonista, que teve influência determinante na dimensão que a extrema-direita acabou por conseguir.

O feitiço ter-se-á voltado contra o feiticeiro responsável por legar um país ingovernável até os socialistas cicatrizarem as feridas de terem caído nalgumas das armadilhas da coligação de Belém com o ministério público e algumas corporações, todas conluiadas para impedirem António Costa de zarpar para um cargo internacional surfando na onda de sucessos, que estavam a multiplicar-se no dia-a-dia (vide o reconhecimento das agências de rating).

Sem podermos conjeturar o que se estará a passar na cabeça de Marcelo não será difícil imaginar-lhe o desconcerto de ter conseguido resultados muito diferentes de quanto desejara... 

segunda-feira, 11 de março de 2024

O caminho começa agora

 

Regresso à entrevista dada por Susan Neiman á Visão para dela reter uma frase, que se ajusta perfeitamente à situação criada pelos resultados das eleições de ontem: “Não posso considerar-me uma otimista, mas entendo que, nas atuais circunstâncias ter esperança é uma obrigação moral”.

Empunhemos então essa obrigação moral de não nos deixarmos vencer pelas emoções negativas de nos sabermos rodeados por tanta gente capaz de votar num vigarista, que soube ser o discurso xenófobo e racista o mais eficaz para dar azo à satisfação do seu inchado umbigo. Confirmação de como é tão comummente sobrevalorizada a ilusória “sabedoria” do povo, uma mistificação demagógica destinada a confortar almas inquietas, mas nada valendo em tantas alturas da vida.

Sabedoria tinha sim Saramago, que dizia melhor relativizarmos tudo quanto vai sucedendo, sem nada dramatizar. Porque as marés vão e vêm e lá virá o tempo em que o seu cético otimismo acabará por ganhar melhor sentido.

Agora há que arrepiar caminho. Começá-lo de novo a partir das premissas, que nos são tangíveis. E isso o explicitou Pedro Nuno Santos ao reagir ao desaire, afinal não tão calamitoso quanto o previam as sondagens. Agora é esperar para ver como Montenegro vai dar satisfação aos polícias, aos agricultores, aos professores, aos médicos, aos enfermeiros, aos funcionários judiciais e outras corporações que, sem atenderem ao facto de estarem-se a criar condições para lhes satisfazerem alguns dos anseios - mas não todos, que a riqueza nacional não é um bolso sem fundo! -, conjugaram-se para serem os idiotas úteis que criaram as condições para o golpe de estado promovido pelo ministério público com a conivência de Marcelo.

Não tenhamos dúvidas, que muitos agora calarão as exageradas reivindicações, porque derrubar os socialistas era tudo quanto pretendiam quem os manipulava, mas que sentirão precisamente os por eles embalados e agora sujeitos a um vazio de perspetivas?

No sorriso confiante de Pedro Nuno espelhou-se a confiança de virem novos tempos para sacudir os que são os de agora... 

domingo, 10 de março de 2024

O dia dos prodígios ou dos desencantos?

 


1. Neste dia de ida às urnas vamos esclarecer em que ponto está  a “alma” (sendo lá o que isso for!) deste povo: merecedor da Revolução, que soube forçar há cinquenta anos, ou novamente tentado aos passos atrás como quando logo apoiou gente pequena (Sá Carneiro, Cavaco Silva e Cª) a enterrar algumas das mais vibrantes conquistas de então.

Não subscrevendo a falaciosa expressão quanto à “sabedoria popular” não arrisco quanto ao que farei no fim deste dia: abrir a garrafa de espumante para comemorar a vitória ou repetir que, havendo mais marés que marinheiros, atrás de tempos, outros mais bonançosos hão-de vir.

Não é preciso repetir qual o meu voto para o que logo à noite será a conclusão nesse dilema.

2. À Visão a norte-americana Susan Neiman afiança vivermos num mundo sem sentido, porque “cada vez mais consumista, nacionalista e à beira do colapso climático”. Havendo a frustração de nos vermos impotentes para conseguirmos mudar o que de substantivo possa ser a corrida para o abismo.

Esse pessimismo ganha maior expressão, quando vemos os jovens completamente alheados do problema ou, em alternativa, apostados em ações fúteis capazes de criarem maior número de opositores para o ativismo climático do que para a sua mobilização.

Enquanto não se livrarem da bolha suscitada pelos videojogos e pelas redes sociais, e entenderem como o seu futuro depende da aceleração do fim do capitalismo, os jovens serão força de bloqueio para a transformação do amanhã nesta altura em que crescem as preocupações quanto à sua distópica concretização.

3. O aumento da gonorreia, clamídia e sífilis, de acordo com o Relatório europeu da Prevenção e Controle de Doenças, corrobora essa irresponsabilidade juvenil. Querendo muito naturalmente vivenciar os prazeres do sexo, as novas gerações enterram a cabeça na areia e consideram que as medidas de autoproteção só para os outros se justificam. Descobrindo demasiado tarde, que os efeitos acabam por em si surgir...

4. Eloquente igualmente o aumento das vítimas de violência doméstica apoiadas pela APAV nestes últimos três anos: 22,9%. Sintoma destes tempos em que se vão acumulando frustrações por não ter casa, emprego decente e dinheiro bastante para todos os gadgets, concertos, ou destinos exóticos, que se desejariam conhecer. E, sendo assim, o corpo (do outro, seja mulher, companheira, namorada ou filhos) é que paga.

 

sexta-feira, 8 de março de 2024

Só mais um pequeno esforço...

 

1. Nos últimos dias diversas entidades internacionais vêm dando sinais crescentes de como a economia portuguesa está bem e recomenda-se, não admirando que as direitas olhem gulosamente para um legado de que tão mal dizem, mas com que verdadeiramente contam para se aferrarem ao pote com todos os dentes.

Depois das agências de rating foi a inclusão de Portugal num importante índice mundial relevante nos mercados obrigacionistas, que facilitará as condições de endividamento, a dar conta de como o caminho encetado em 2015 ainda tem muito por potencializar.

 2. Apesar de algumas sondagens darem uma vantagem substancial às direitas poucos arriscam a sua coincidência com quanto se passará na noite de domingo. E a da Católica até dá a soma das esquerdas a ultrapassarem a das direitas o que deixa tudo em aberto, quanto mais não seja para a repetição do ato eleitoral daqui a mais alguns meses. E, embora Luis Montenegro tenha a bolha comentadeira a carrega-lo ao colo há gente insuspeita, como o do antigo diretor do «Público», Manuel Carvalho  a caracterizar a AD como “um gato conservador e rançoso que se prepara para mostrar muito mais do que o rabo de fora”.

3. O mesmo comentador também olhou para André Ventura e vê embaciar-se-lhe o espelho em que se via o mais belo príncipe para se amancebar com as restantes direitas: “sem o trunfo da possível proximidade ao poder para acenar, resta-lhe agora fazer-se notar pelo anúncio de fantasmas como o da manipulação eleitoral”.

4. Não deixa de ser elucidativo que os ativistas climáticos tenham querido perturbar o comício da Aula Magna, quando a lógica mandá-los-ia concentrar os protestos no partido, que apresentou em Santarém, um discurso assumidamente negacionista. Mas sabemos bem quanto estes movimentos inorgânicos de protesto gostam de fazer o jogo dos que mais ativamente deveriam combater.

5. Para domingo resta-me acrescentar um desejo, que os indecisos venham confortar: além da vitória (não anunciada) do PS, que a CDU, o Bloco e o Livre aumentem a sua dimensão parlamentar para, em conjunto, darem às direitas, o «prémio» que merecem neste 50º aniversário da Revolução de Abril.

segunda-feira, 4 de março de 2024

A sensação de já termos visto este filme há dois anos

 

1. Chegados à última semana de campanha eleitoral estamos quase como sucedeu nas últimas legislativas nesta altura: as direitas com a expetativa de ganharem, a maioria das sondagens a darem um empate técnico e a sensação de diferença entre quem parecia esgotado na mensagem (na altura Rui Rio, agora Montenegro) e quem denotava inesgotável energia para levar a agitprop até à beira da ida às urnas. O comício do Porto é discutido na bolha mediática como ponto de viragem a considerar, quando se explicarem os resultados do dia 10.

Sobram, igualmente, as prosápias do Chega e da iniciativa Liberal mas, então como agora, fica a perceção de cumprirem o que os ingleses designam como much ado for nothing (muito barulho para nada).

Na altura em que se comemora mais um Dia Internacional da Mulher Carmo Afonso começa o texto de hoje dizendo não imaginar, que existissem tantos homens retrógrados e machistas na direita tradicional. E, talvez seja, essa a justificação para ser a Outra Metade do Céu - Mao dixit - quem acabará por fazer toda a diferença nesse previsível desiderato.

2. Está também em causa a credibilidade económica de uns e outros: quando todas as instâncias internacionais reconhecem o mérito da governação socialista dos últimos anos, a direita assenta as promessas do seu programa eleitoral no tal choque fiscal, que tão mal resultou nas vezes anteriores, que o intentou: como lembra Daniel Oliveira num outro texto publicado esta manhã, Durão Barroso fugiu para a Europa, depois de inventar um país de tanga, logo abandonado a áspera austeridade e recessão, quando os vizinhos espanhóis estavam a crescer 3%. E Miguel Frasquilho viu-se forçado a manter inalterado o IRC e a aumentar o IVA de 17 para 19% depois de tanto ter prometido baixar ambos os impostos.

Tal como os reformados e pensionistas não esquecem a pesada herança legada pelos tempos de Passos Coelho, a generalidade dos eleitores deverá lembrar-se do que significaram as fugazes promessas das direitas quanto à baixa de impostos...

3. Pode-se dizer que André Ventura é uma imitação tosca de Trump e Bolsonaro, mesmo quando lhes repete os argumentos e estratégias. Até porque, nesse seguidismo tático demonstra não ter na cabeça algo que vá mais além e revele a capacidade para, prosseguindo os mesmos objetivos xenófobos e racistas, inventar falácias novas.

A tentativa de descredibilização do ato eleitoral acaba por mostrar o quanto sente o tapete a escorregar-lhe debaixo dos sapatos: a política, mesmo que praticada com a falta de escrúpulos evidenciada quando era comentador desportivo, é camioneta a mais para quem possui tão pouca areia para carregar...

domingo, 3 de março de 2024

Bastos motivos para um otimismo cético

 

1. A uma semana de podermos comemorar abril mês e meio antes da efeméride, sinto-me como Saramago, quando confessava ser um otimista cético. Se sobra consciência do muito que a bolha mediática tem feito para tornar credível mais um rosto sinónimo do que Musil crismou de homem sem qualidades, a entrada em cena da galeria de horrores ligados às ADs do passado deve bastar para o Partido Socialista concentrar o voto dos indecisos.

Isso mesmo reconhece Ana Sá Lopes na última página do Público de hoje: “A campanha do PS foi entregue, nos últimos dias, a altos representantes da Aliança Democrática. Não foi preciso mexer. É das coisas básicas da teoria política que, quando  o adversário está a alucinar, é ficar a ver (e a aproveitar). (...) A estratégia de recentramento está a ser uma desgraça e já falta muito pouco tempo para as eleições.”

Insuspeita de simpatias pelo PS, que frequentemente tem zurzido nos seus escritos, a jornalista estará a reconhecer uma evidência a consolidar-se nas redações dos media e até justifica o lapsus linguae  de Nuno Melo.

 2. As televisões também não conseguiram iludir a galvanizadora presença de António Costa no comício do Porto no mesmo dia em que todas as agências de rating reconheceram a notação máxima para a dívida portuguesa e em que dele se fala para um dos principais cargos europeus.

O ainda primeiro-ministro terá lançado o mote para uma semana em crescente afirmação da candidatura, que significará uma mudança efetiva das políticas, mas alicerçada no muito positivo, que fica destes oito últimos anos de governação, mesmo enfrentando as circunstâncias - a pandemia, a guerra na Ucrânia com a inflação a ela associada - que não encontraria melhor alternativa entre quem, demagogicamente, só tem procurado cavalgar a frustração de quantos não viram satisfeitas as legítimas aspirações.

 3. Ódio de estimação de Cavaco Silva - do qual, e ao contrário de Mário Soares ou Jorge Sampaio, nunca ninguém se lembrou para, depois de reformado, ser convidado para nenhum cargo internacional -, António Costa tenderá a dar esse passo, prestigiando o país na linha de António Guterres à frente da ONU E ao contrário doutro cabeça-de-cartaz da direita, Durão Barroso, de que todos se lembram como arrivista sem escrúpulos, apostado em servir-se das ligações políticas para ir tratando da sua vidinha.

 3. O eclipse por que vai passando o Chega nos comícios em ambientes fechados, só foi brevemente iluminado por mais uma revelação eloquente: a Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos suspeita de centenas dos donativos, que o financiam.

Comportando-se como o ladrão decidido a distrair de si as atenções, Ventura vai gritando, que o meliante está em fuga mais adiante. Transparência é algo que não acontece com quem procura evitar maior escrutínio, escusando-se a apresentar as contas, que legalmente deverá divulgar.