segunda-feira, 4 de junho de 2012

NA MORTE DE CARLOS FUENTES



Constitui tradição hipócrita da generalidade dos media o aproveitamento da morte de velhos intelectuais para lhes afiançar o quanto ficamos a perder com o seu desaparecimento, por muito que o zénite das suas obras artísticas já tivesse passado há muito. Justificando essa afirmação com uma exaustiva descrição biográfica ao estilo da Wikipedia...
Daí que constitua alternativa bem mais interessante a assumida pelo «Nouvel Observateur», que anuncia essa morte numa linha e aproveita para regressar a entrevistas ou textos outrora publicados na revista e que espelham eloquentemente a personalidade e o talento dos homenageados.
No caso de Carlos Fuentes podemos recordar assim algumas teses interessantes por ele emitidas em diferentes ocasiões:
· de como os EUA pretenderam expandir o seu território até ao canal do Panamá, ao começarem a invadir o Texas, a Califórnia ou o Novo México, mas repensaram a estratégia ao constatarem os perigos de uma guerrilha na zona central e mais povoada do México, quedando-se, pois, pelos seus Estados mais desertificados;
· de como, apesar da importância económica da sociedade para onde emigraram, os mexicanos nos EUA nunca prescindem da língua, da cultura e dos valores da sua sociedade, pelo que é a grande sociedade norte-americana que se hispaniza em vez de suceder o contrário;
· de como essa mesma cultura mexicana adotou a sua especificidade sincrética a nível religioso, e que se revela no relacionamento com a morte, que muito deve à surpresa sentida pelos aztecas, quando viram chegar invasores cujo deus se sacrificava pelos seus crentes em vez de lhes exigir os sangrentos rituais de sinal contrário;
E a revista proporciona-nos, igualmente, uma reportagem interessantíssima sobre Ciudad Juarez, o grande aglomerado situado a sul do Rio Grande e colado a El Paso, aonde as empresas norte-americanas se deslocalizaram em busca de mão-de-obra mais barata. Que é quase sempre feminina, e gera a situação particular de as mulheres trabalharem e os maridos ficarem em casa. O que inverte a relação de poder numa cultura misógina e se salda pelos numerosos crimes por resolver, mas explicáveis pela frustração masculina perante a inversão total de um dos principais eixos identitários daquela sociedade...

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