sábado, 11 de agosto de 2012

OS CONFUSOS FANTASMAS DO PASSADO



Uma das principais condições para que se inflita o rumo da História humana, recolocando-a nos carris progressistas direcionados a uma maior justiça e igualdade entre os cidadãos, é a emergência de uma cultura imbuída de tal objetivo.
Uma Revolução Cultural é condição sine qua non para que as batalhas sociais atualmente em curso conheçam novos vencedores. É por isso, que seja na Literatura, no Cinema, na Música, na Filosofia ou nas Artes Plásticas se impõe a erradicação dos que pretendem a afirmação da arte pela arte e se valorize quem se preocupa com a utilidade da sua expressão. E para quem esses objetos artísticos são vocacionados!
Esta a razão para estarmos atentos a todas as obras, que possam encarnar esta última perspetiva.
Ora as coincidências deram-nos ensejo para conhecer um livro e um filme que, embora bem intencionados, constituem uma verdadeira desilusão.
«Gaiola de Fantasmas», primeiro romance da deputada bloquista Cecília Honório, até começa por criar um contexto interessante: um governo de direita, validado pela maioria absoluta de umas recentes eleições, surge disposto a cercear o mais possível as liberdades coletivas. A figura de proa de tal Governo é o ministro da defesa, um conhecido, mas não assumido homossexual, comprometido com a compra de uns desnecessários submarinos. Mesmo tendo o cuidado de lhe dar uma aparência aloirada, qualquer leitor, mesmo desatento, sabe bem de quem estamos a falar.
No meio dessa dinâmica autocrática, uma mulher morre e uma amiga jornalista tenta compreender o sucedido através do diário, que dela recebera. E é aí que a porca torce o rabo, porque, em vez de garantir uma linearidade nos tempos históricos  da ação, Cecília Honório decidiu misturar tempos acentuando a confusão em que o leitor se sente mergulhado.
Levará demasiado tempo a compreender se Mariana se terá suicidado ou sido assassinada pelo seu envolvimento na morte do Ministro da Segurança Social, que a assediava sexualmente.
E o título em si remete para a semelhança facial entre este mesmo ministro ou o padre conhecido por Mariana, quando ainda criança, e o tenebroso ditador de Santa Comba, que continua a assombrar os imaginários coletivos.
Esta mesma intriga poderia, e deveria, ter sido explorada de uma forma  bem mais clara, ganhando em eficiência e prazer de leitura para quem afinal se sente meio perdido durante quase toda a descoberta do romance.
Menos confuso, mas igualmente aquém da eficácia pretendida, é o filme «Águas Mil», que Ivo Ferreira rodou em 2009. O passado, que assombra o protagonista é mais recente - o da luta armada subsequente ao 25 de Abril - mas sem o questionar ou desenvolver para além dos seus contornos mais estereotipados.
À partida temos Pedro, um jovem encenador teatral em vias de ser pai, que empreende uma viagem até Espanha para tentar compreender o sucedido com o progenitor a quem perdeu de vista mais de um quarto de século atrás.
À medida que ele, os amigos e os familiares se sucedem a percorrer as várias etapas da viagem, compreende-se que Eduardo estava envolvido com Chico e Abafa no rapto de um industrial com propósitos semelhantes aos de movimentos de extrema-esquerda da época. Mas as coisas tinham dado para o torto e Eduardo torna-se, no entendimento dos cúmplices, num traidor da luta por uma sociedade diferente. E terá de ser eliminado.
Só mediante a clarificação desse passado em que participara sem nada compreender (Pedro era uma criança muito pequena, quando assistira aos acontecimentos em causa!) é que a peça de teatro em preparação se acaba por se exequibilizar.
Mas sobre este tema - o da traição! - nenhum outro filme conseguiu alguma vez situar-se ao nível do excelente «A Estratégia da Aranha» de Bernardo Bertolucci. Mas Athos Magnani é personagem de exceção, que acontece uma vez na vida de um abençoado criador…
Temos assim um filme e um livro, que desejaríamos qualificar de bastante mais interessantes do que se acabam por revelar...

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