terça-feira, 28 de agosto de 2012

POLÍTICA: O novo inimigo da democracia


No editorial do «Nouvel Observateur» da semana transata o respetivo diretor, Laurent Joffrin, comenta a condenação de três das cantoras do grupo punk Pussy Riot e aborda uma questão pertinente nos tempos que correm: começam a existir demasiados países aonde existem aparentes instituições democráticas, mas que escondem uma realidade ditatorial traduzida em sérios entraves à liberdade de imprensa, de expressão ou, mesmo, de atividade política.
Os exemplos são muitos e vão da Rússia de Poutine à Turquia de Erdogan, sem esquecer Singapura - que Passos Coelho já revelou admirar! - ou os países do Magreb saídos das supostas Primaveras árabes.
Joffrin designa esses regimes como «democraturas», já que contém uma componente de democracia e outra de ditadura.
Escreve ele: considerados geralmente como regimes de transição para a democracia, as democraturas poderão vir a instalar-se duradouramente na paisagem internacional. Baseadas na economia de mercado não sofrem as taras das economias inteiramente coletivizadas; praticando uma repressão cruel e restrita escapam à rejeição universal a que se sujeitam as ditaduras tradicionais como as da Síria ou da Coreia do Norte; alcançando grandes sucessos tecnológicos e económicos falam agora de igual para igual com as antigas democracias acossadas pela crise financeira e pela estagnação.
Eficazes, voluntaristas, financeiramente prósperas, graças ao seu mercantilismo, baseadas em valores ao mesmo tempo populistas e conservadores, podem oferecer às nossas democracias uma alternativa perigosa e credível.
Até mesmo nas democracias elas têm os seus defensores. Os capitalistas já veem nelas um eldorado sob controle favorável aos investimentos estrangeiros; os conservadores são seduzidos pela estabilidade política e pelo seu apelo aos valores tradicionais.
Embora o não explicite o advento de forças de extrema-direita um pouco por toda a Europa já comporta esta atração pelas democraturas, porquanto assentam na base de apoio a esse tipo de regimes musculados em que qualquer irreverência mais perigosa recebe uma punição semelhante à das cantoras russas.
É por isso que a esquerda tem de enfrentar sem tibiezas esta atração dos eleitorados confusos por formas de populismo conducentes a este tipo de solução. Conclui Joffrin: longe de serem dominados pela guerra contra o terrorismo, pela luta contra o islamismo ou pelo choque de civilizações, os anos vindouros poderão ser os de confronto cada vez mais tenso entre democracias e democraturas, substituindo a antiga guerra fria entre as democracias e o comunismo. Por esta razão a reação mole dos governos europeus face às iniquidades poutinianas não revela apenas uma enorme cobardia. Traduz sobretudo uma cegueira estratégica.

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