sábado, 17 de novembro de 2012

HISTÓRIA: O Far West


O termo de faroeste, popularizado pelo cinema, pela literatura, pelo folclore e pela televisão, é em si mesmo bastante vago e não corresponde nema um período da história americana, nem a um domínio geográfico bem definido.
Criado por imitação a Far East que para os americanos designa o que chamamos de Extremo Oriente, designa pois o extremo oeste do território americano, nas diversas fases da ampliação da nação. De facto, apesar das aparências, este termo que, na origem, tinha um conteúdo geográfico - o Far West seria depois do Middle We~st para quem vinha de leste - passou a qualificar uma fase da história americana, o fim da conquista e da ocupação territorial entre a Guerra da Secessão e a aurora do século XX.
A epopeia do Far West, concluída no início desse mesmo século, transformou-se numa autêntica mitologia, que fundamenta a civilização americana e justifica os seus objetivos. É, de facto, a luta dos bons contra os maus, a vitória do progresso sobre as trevas, a apoteose do homem branco contra as forças da natureza, temas tão caros a um país puritano e sem passado.

1. A definição geográfica e histórica
Os limites topográficos são bastante imprecisos, na medida em que o faroeste cobre o espaço situado entre o Middle West e a costa do Pacífico. Corresponde a Estados ou partes deles situados nas Montanhas Rochosas bem como aos seus prolongamentos nas planícies dos  dois Dakotas e da parte ocidental do Nebraska entre a fronteira canadiana a norte e os confins mexicanos ao sul.
Esse enorme território, que integra cerca de um terço dos Estados Unidos, além de faroeste também costuma ser designado por Estados das Rochosas.
Uma tal definição fica porém incompleta sem o recurso á história e a um fenómeno tipicamente americano, o de fronteira, definido no final do século XIX por Frederick Jackson Turner e depois retomado por numerosos historiadores.
A fronteira é a extremidade do povoamento pioneiro, face ao vazio do continente. Vazio relativo claro, porque nesse espaço havia que contar com os ameríndios.
Até ao fim da guerra da Secessão, os pioneiros tinham avançado até cerca de um milhar de quilómetros para além das margens do Mississipi. Vários estados tinham sido criados nessa margem ocidental a começar com o Missouri em 1821 e a concluir-se com o Kansas em 1861.
Mas logo os pioneiros avançavam para além das Montanhas Rochosas, pela Califórna e pelo Oregon, aproveitando simultaneamente três fatores: o reconhecimento de tais regiões integrarem o espaço norte-americano na sequência do Tratado de Guadalupe Hidalgo com o México (1848), as negociações com a Grã-Bretanha e, sobretudo, com a notícia da descoberta de ouro nos aluviões do Sacramento em 1849.
A grande corrida ao ouro provocará uma incrível animação, desordenada e violenta, no vale interior da Califórnia e em portos de desembarque como São Francisco.
A Califórnia passa a integrar a União em 1850 e o Oregon em 1859.
Entre esses dois espaços ocupados, uma a oeste e o outro a leste, estende-se o faroeste, cujas vastas extensões eram percorridas pelas tribos índias dos Sioux, dos Blackfoot, dos Arapahos, dos Crows, dos Zunis, dos Navajos ou dos Hopis, todas elas dependentes do bisonte, que era o animal por excelência das planícies e dos planaltos, fornecendo alimentação (carne e gordura), vestuário e abrigo (as tendas eram feitas com a pele desses animais).
Em função das migrações das manadas de bisontes as tribos seguiam-nas e não podiam deixar de o fazer. Havia, pois, um nomadismo comum à maioria dos índios, exceto para os que viviam da pesca do salmão no rebordo ocidental das Rochosas.
Por essa altura os únicos Brancos a aventurarem-se pelo faroeste tinham sido os mórmons na sequência da sua longa marcha desde Nauvoo (no Illinois) e que tinham criado o seu Reino de Deus nas extensões desérticas e isoladas do Utah, nas margens do Grande Lago Salgado, em rutura com uma civilização tida por eles como corrompida.
Os mórmons tinham-se, pois, sedentarizado num espaço, que tinham colonizado com coragem exemplar e cujo isolamento pretendiam preservar.

2. A corrida ao ouro
A partir de 1865 o faroeste penetra na história americana através de várias experiências sucessivas, que apressaram a colonização e a ocupação. Por altura da década de sessenta descobriu-se ouro e prata nas regiões montanhosas do Nevada, do Colorado, do Arizona, do Montana e do Wyoming, atraindo mineiros de hábitos rudes e violentos. Os métodos então utilizados consistiam em peneirar a água dos aluviões dos rios e em abrir  algumas galerias nos flancos dos vales.
Cada qual podia tentar a sua sorte, sem qualquer capital, com resultados variáveis e grande probabilidade de fracasso.
Nascem povoados sumariamente construídos no meio do nada, atingindo dimensão de pequenas cidades junto dos filões mais prometedores: Central City no Colorado, Virginia City no Montana e outra Virginia City no Nevada. Esta última seria a mais célebre das cidades fantasmas, aonde Mark Twain estivera como jornalista e repórter entre 1862 e 1864 antes de regressar à Califórnia.
Essas cidades tinham, então, um excelente aspeto com as ruas bordejadas de belas casas de madeira e com as suas instituições típicas: bancos, saloons, e, por vezes até o seu teatro aonde se apresentavam de vez em quando companhias de ópera.
A animação crescia sobretudo ao fim de semana, quando os pioneiros vinham gastar nos saloons e bares, nos bordéis e nos hotéis, o dinheiro ganho nos dias anteriores.
O xerife tinha, então, grandes dificuldades em fazer respeitar a ordem e impedir os ajustes de contas dos forasteiros embriagados.
A vida humana valia tão pouco, quanto era verdade, que muitos desses homens eram aventureiros de passado duvidoso ou imigrantes fugidos da Europa por razões pouco confessáveis.
A lei do mais forte acabava por prevalecer, segundo a imagem depois hiperexplorada pelo cinema, que não deixou de idealizar essa época, porém muito brutal.
O povoamento pelos mineiros revelava-se, porém, muito instável e esporádico, em função das jazidas encontradas e exploradas com as suas técnicas rudimentares. Uma vez esgotadas essas jazidas eram abandonadas, tal qual os povoados a elas associados.
No decurso da década de 70 do século XIX as sociedades capitalistas substituíram-se aos indivíduos, utilizando métodos mais elaborados e dispendiosos, pondo fim a essas experiências caóticas.
As cidades desse curto passado foram abandonadas e ficaram como vestígios dessa primeira febre pelo ouro.
Ademais aumentaram os conflitos com os índios, aos quais tinham sido garantidas terras em breve identificadas como muito ricas em metais preciosos. Caso das Black Hills do Dakota do Sul (1875) ocupadas pelos Sioux, que foram delas expulsos.

3. Caminhos de ferro e Índios
Nessa altura o faroeste estava em vias de se transformar graças aos caminhos de ferro.
A questão de uma junção ferroviária entre o vale do Mississipi e a Califórnia pusera-se no início da corrida ao ouro, mas fora sucessivamente adiada por causa da oposição dos Estados do Sul, que se viam prejudicados pelos do Norte.
Aproveitando a Guerra da Secessão, o Congresso adotou em 1862 o princípio de uma ligação transcontinental entre Omaha e Sacramento, através do norte do Utah e pelo Nevada.
Iniciadas logo no final da guerra, os dois ramos dessa ligação, um iniciado a oeste e o outro a leste, juntar-se-iam em 1869 no Promontary Point, no Utah, criando-se então a Union and Central Pacific.
Antes do final do século duas novas ligações transcontinentais surgiriam a norte (a Northern Pacific e a Great Northern ao longo da fronteira canadiana) e outras tantas ao sul (a Atchison, Tpeka and Santa Fe Cy ao longo do trilho de Santa Fé e a Southern Pacific pela fronteira com o México). Tais companhias tinham recebido subsídios em dinheiro ou em terras com a possibilidade de as poderem revender aos pioneiros.
A construção dos caminhos-de-ferro permitiu atrair colonos e acelerar a extinção dos bisontes. O avanço dos Brancos já tinha restringido singularmente os terrenos percorridos pelas manadas em comparação com a realidade do século XVIII, quando eles eram ainda numerosos na região dos Grandes Lagos.
A partir de 1865 o massacre foi estúpido e sistemático: por cupidez, porque a pele dos bisontes era, então, procurada pelos curtidores europeus; por gulodice, porque a língua desses animais era particularmente apreciada, ou simplesmente pelo prazer de matar um animal enorme mas sem capacidade para se defender.
As peles de bisonte acumulavam-se nas estações ferroviárias antes de serem exportadas para a Europa sem que se medissem as consequências dessa extinção no equilíbrio ecológico e na sobrevivência dos índios. Estes reagiram com ataques e emboscadas, que constituíram os derradeiros episódios de uma guerra permanente estabelecida entre eles e os pioneiros desde o século XVIII: massacre de Chivington (Colorado, 1864), massacre de Fetterman (Wyoming, 1866), batalha de Little Big Horn (Montana, 1876).
A «pacificação» foi confiada ao general Sherman, que vencera os Confederados e derrotaria as derradeiras resistências dos Sioux, com a rendição de Sitting Bull em 1881. Os sobreviventes seriam acantonados em reservas bem delimitadas, afastadas das grandes linhas de comunicação e com terras pouco hospitaleiras. A Revolta dos Nez-Percés do Chefe Joseph em 1877 e dos Dakotas em 1890, constituíram os últimos sobressaltos com Peles Vermelhas no faroeste.

IV - O cow-boy
Estavam criadas as condições para a emergência de um novo tipo de pioneiro, o cowboy, outra personagem característica do folclore americano.
Desde o final da guerra da Secessão, que os criadores de gado do Texas tinham pressentido enormes potencialidades nas terras ocidentais para alimentarem os seus rebanhos e manadas. Mas o percurso era distante até às pastagens dos Planaltos ou das Rochosas. O que os não dissuadiu de terem começado com fluxos de transumância todas as primaveras na direção do noroeste e do sul todos os invernos.
Com o caminho-de-ferro as possibilidades de transumância multiplicaram-se e o gado pode chegar ao Novo México e ao Colorado, em seguida aos dakotas, ao Wyoming, ao Montana  e até mesmo ao Canadá.
Em apenas quinze anos, entre 1865 e 1880, o faroeste tornou-se o terreno de eleição das manadas e dos seus guardiões, os cowboys. As vastas extensões sem divisórias nem proprietários, nem outros obstáculos senão os do relevo, mostravam-se muito convenientes.
Estabeleceram-se ranchos junto de poços, aonde se concentravam essas manadas e respetivos cowboys. Essa atividade não conhecia tréguas, porque era necessário estar atento aos predadores selvagens, aos ladrões de gado e aos índios. Era também necessário cuidar dos animais sujeitos a epidemias e frequentemente extraviados por grandes extensões.
Era, pois, uma vida solitária e selvagem, só compensada por umas quantas idas aos saloons e às salas de jogo.
Uma das tarefas essenciais desses profissionais consistia em, na época própria, conduzir os animais prontos para serem abatidos aos matadouros de Kansas City, Omaha, Saint Louis, Abilene ou Chicago.
Havia, assim, uma complementaridade entre o quotidiano desses cowboys e o caminho-de-ferro, que transportava os animais para os centros de consumo a leste e aos portos de ligação com a Europa industrial.
A evocação dessa epopeia foi perpetuada na personagem de Buffalo Bill, cujo verdadeiro nome era William Frederick Cody, rancheiro no Nebraska e  depois no Wyoming, que criou o espetáculo The Wild West Show, muito apreciado quer por americanos, quer por europeus.
Mas a condição de cowboy não tardou a ser ameaçada pelos  progressos do povoamento.
A criação intensiva de gado acabaria por revelar demasiada onerosa nos seu elevado desperdício. Durante o rigoroso inverno de 1886-1887, dezenas de milhares de cabeças de gado morreram de frio. Os pioneiros, confrontados com os custos elevados das companhias ferroviárias, insurgiam-se contra os riscos incorridos pelas suas propriedades. Com a queda do preço da carne, depois de 1885, essa atividade tornou-se pouco aliciante.
A nova realidade jogava em desfavor do cowboy, tal qual se tinha revelado drástica anteriormente para os mineiros. O elemento decisivo foi a utilização do arame farpado que surgido no Illinois na década de 70, logo se estenderia por todo o oeste. Para cultivarem as terras e protegerem as suas propriedades, os novos colonos enclausuravam-nas impedindo as possibilidades da transumância e da criação intensiva de gado. O próprio Estado Federal, alertado pelos escândalos e pela extinção dos bisontes, interditou a ocupação dos espaços considerados de domínio público: em 1872 foi criado o primeiro parque nacional em Yellowstone nos confins do Wyoming, do Idaho e do Montana.
À medida que novos Estados iam integrando a União, a vigilância das autoridades federais apertava e a justiça tornava-se menos expeditiva. Só no ano de 1889 foram admitidos quatro novos Estados do noroeste: os Dakotas do Norte e do Sul, o o Montana e Washington, e no ano seguinte, dois outros, o Wyoming e o Idaho.
Qualquer solução de continuidade desaparecera nessa região o que permitia ao diretor do recenseamento de 1890 de assinalar, de forma algo prematura, a definição da fronteira, porque outros estados mais a sul seriam formados em 1912: o Arizona e o Novo México.
Entre 1885 e 1890 a criação de gado abandonou a transumância para se fixar em enormes ranchos inteiramente fechados. Tinham acabado os dias de glória dos cowboys.
Uma das grandes fontes de negócio do atual faroeste é o turismo, que se alimenta das mitologias dessa apopeia, graças a numerosos monumentos que emulam o esforço dos antepassados em dude-rranches, que albergam visitantes desejosos de mergulharem no passado através de rodeos, que perpetuam as grandes tradições equestres dos cowboys sem esquecer os Índios que, pelo seu lado, testemunham um passado não menos glorioso, mas mais discreto.
O faroeste já não existe, mas mantém-se a tradição da sua epopeia.


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