terça-feira, 25 de dezembro de 2012

LIVRO: «A Maldição» de Stephen King



Todos temos pecadilhos de que nos devemos penitenciar. Eu confesso: gosto bastante de ler romances do Stephen King por muito inverosímeis que me pareçam e por muito repetitivas, que se revelem as suas temáticas. Mas é assim: se existem no inconsciente questões, que possa resolver catarticamente com tais leituras e elas me dão satisfação, porque não ceder umas horas a tal prazer?
Publicado em 2008, «Duma Key» tem por protagonista um antigo empreiteiro de construção civil do Minnesota, Edgar Freemantle, que quase fora morto num acidente de trabalho, quando uma grua esmagara o carro em que chegava ao seu estaleiro principal.
Edgar perde o braço direito e sofre importantes danos cerebrais, que o fazem ficar amnésico e afásico. Mas, pior ainda, as suas crises de raiva na convalescença assustam a companheira de toda a sua vida até aí, que acaba por lhe pedir um divórcio.
Por uns dias Edgar pensa em suicidar-se: o mundo mudou tão significativamente de um momento para o seguinte, que nenhuma esperança lhe parece doravante permitida. Mas não é esse o parecer do médico, o dr. Kamen, que o incita a mudar de espaço e a dedicar-se à pintura retomando assim um interesse esquecido desde a juventude.
É assim que temos Edgar instalado em Duma Key, ilha quase desértica da costa da Flórida, numa casa pertencente a senhora de proveta idade, sua vizinha mais próxima: Elizabeth Eastlake. Mas, porque padece de Alzheimer, cuida dela um antigo advogado, Westlake, esse sim o amigo cada vez mais sólido com quem Edgar poderá contar.
A estranheza não tarda a instalar-se nos dias do recém-chegado: o som das conchas como que a conversarem por baixo da casa e ao ritmo das marés; algo de maléfico e irrespirável na outra ponta da ilha aonde vai passear um dia com Ilse, a filha que o viera visitar; e, sobretudo, a súbita pulsão para pintar quadros de um fôlego sobre temas, que o ultrapassam a nível de compreensão, como se se visse tomado por um transe incontrolável.
Apesar de inquietantes, esses quadros têm tal qualidade, que uma galeria local faz tudo para que aceite mostrá-los numa exposição aprazada para daí a poucas semanas.
Não tarda que Edgar perceba que a sua pintura tem uma interligação assustadora com a realidade, e a própria Elizabeth avisa-o para os perigos com ela relacionados nos momentos de lucidez, que consegue ter por entre os seus dias de apatia inconsciente.
Investigando a história da ilha ajudado por um rapaz, que lhe costuma tratar do aprovisionamento do frigorífico, Edgar descobre que, algumas décadas antes, ocorrera ali uma tremenda tragédia em que tinham morrido afogadas três irmãs de Elizabeth, um cunhado e a ama. Ademais, o navio que aparece figurado nos quadros, «Perse», é o transporte da morte e faz-se cada vez mais presente na realidade.
O horror não tarda a instalar-se: se a exposição é um sucesso as mortes não tardam a cercar Edgar, que vê assassinada a própria Ilse. A par de Elizabeth, Kamen e todos quantos terão arriscado a compra dos quadros em causa.
Ele compreende que a força maléfica, que lhe comandava o braço enquanto pintava, está na tal zona da ilha, aonde ele e Ilse tinham-se sentido indispostos. E é com Westlake e Jake, que vai ao encontro dela na que fora a casa de Elizabeth quando criança. E aonde ela conseguira aprisionar tal força, Perse, num invólucro que, passados tantos anos, se fissurara e a libertara para retomar a sua estratégia assassina.
Num esforço terrível, descrito por King de uma forma tremendamente eficaz (chega-se sempre àquela situação de estarmos a ler e espreitarmos para as folhas seguintes pela dificuldade em, enquanto leitores aguentarmos tanta tensão), os três amigos conseguem fechar hermeticamente o monstro dentro de uma lanterna e, depois, arranjar-lhe uma segunda camada de enclausuramento de forma a evitar o mais possível o regresso à realidade.  
Como é frequente em King, a abertura da caixa de pandora pelos pais acaba por vitimar os filhos transformados em vítimas inocentes - aqui é Ilse quem acaba afogada na banheira! - alcançando-se um final feliz, que nunca o é verdadeiramente, não só pelas cicatrizes, que comporta, mas sobretudo, porque a ameaça por agora vencida, poderá sempre encontrar artes de se voltar a libertar...

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