domingo, 24 de março de 2013

FILME: «As Neves do Kilimanjaro» de Robert Guediguian


Como pode Michel operar a catarse da difícil situação em que cai ao ficar desempregado à beira da reforma e depois de toda uma vida sindical ao serviço dos seus colegas de trabalho? À partida existe a tristeza relacionada com a falta de objetivos, mas que procura superar com a construção de uma pérgula para um dos filhos ou com os pratos cozinhados para a família.
Tudo aponta para um futuro plácido, sem grandes sobressaltos, quando sofre um assalto á mão armada, numa noite em que jogava às cartas com a mulher e os cunhados. À dor física logo se associa outra ainda maior, quando descobre num dos autores mascarados da agressão um dos jovens colegas com ele despedidos no mesmo dia em que se vira desempregado.
Se a reação imediata é denunciar o delinquente à polícia, que rapidamente o prende e o faz confessar, quase se segue com a mesma rapidez o arrependimento e a vontade de desistência, que a Justiça já não acolhe.
Aonde o filme ganha asas é quando as personagens fogem aos estereótipos e se dissociam do maniqueísmo primário tão frequente no cinema mais convencional, quando aborda dilemas deste tipo. Assim, o jovem delinquente era o único a cuidar dos jovens irmãos, já que os três tinham sido abandonados quer pelos pais, (que nunca tinham conhecido), quer pela mãe, ela própria mais apostada em encontrar novo elo afetivo do que atender às necessidades dos seus rebentos deixados para trás. Raoul, o cunhado sindicalista de Michel, não se consegue eximir de um discurso justicialista sem complacência para com o delinquente, que lhe dera cabo dos frágeis nervos da esposa, sem cuidar dos argumentos de um desempregado sem alternativa para as suas carências mais imediatas quanto ao pagamento da renda ou da compra dos bens de primeira necessidade para si e para os irmãos.
Michel e Marie-Claire acabam por se responsabilizar pelas crianças abandonadas, mesmo contrariando os desejos egoístas dos próprios filhos, pouco dispostos a perderem o estatuto de focos das suas preocupações.
A projetada viagem ao Kilimanjaro, que chegara a estar nos planos do casal é abandonada até porque as gazelas, as girafas e os hipopótamos até estão ali mesmo à sua frente, quando contemplam a praia com uma cumplicidade recuperada...

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