segunda-feira, 8 de abril de 2013

DOCUMENTÁRIO: «Paris, 1907» de Jean-Loïc Portron (2009)


Em 1907 Paris era a capital da “belle époque” em que, na mais descontrolada das alegrias, herdeiros estroinas desperdiçavam fortunas em festas e mulheres. Mas, no reverso da medalha, era também a capital das greves operárias em que trabalhadores procuravam melhorar a sua vida miserável feita de ordenados baixíssimos e ambientes laborais insalubres. Jaurès anunciava então a necessidade de se pôr cobro à tirania do capitalismo, como forma de se evitarem as guerras, que se adivinhavam no horizonte.
É nesse contexto que, num modesto atelier, Picasso pinta quadros sobre a vida, a morte, o amor e o mistério feminino. Tem 26 anos, vive com Fernande Olivier e quase ninguém deu ainda pela sua presença. E, no entanto, é neste mesmo ano, que ele irá operar uma verdadeira revolução na Arte do século XX com «Les Demoiselles d’Avignon», um quadro que não tem qualquer semelhança com tudo quanto até então fora criado.
A reação dos amigos chamados para comentarem a obra é de consternação: nessa altura ainda poucos estariam capazes de apostar no seu sucesso. De facto, só em 1937, quando o MOMA de Nova Iorque o apresenta como nova aquisição da sua riquíssima coleção é que ela ganha a relevância, que nunca mais se diluiu.
Picasso deixara a Espanha em 1904, porque queria visitar museus, frequentar exposições e conhecer outros pintores. E Paris soava-lhe a liberdade e a modernidade por excelência. Data de então o seu encontro com o poeta Guillaume Apollinaire, que será um dos seus maiores amigos enquanto viveu.
A vanguarda artística era então comandada pelos “fauves”, liderados por Derain, Vlaeminck e, sobretudo, Matisse, que depressa transformará no seu rival de estimação.
Durante esses três anos Picasso não consegue romper o anonimato. De manhã veste-se de operário e põe-se a pintar, à noite muda de roupa e passeia de braço dado com Fernande pelo bulício dos boulevards. A sua obra, ao contrário da alegria colorida da de Matisse, prima pelos tons escuros, pela brutalidade. Felizmente começa cedo a encontrar proteção em Gertrude Stein, que instintivamente pressente o seu valor e lhe compra alguns quadros.
Nesse ano Matisse apresenta um novo quadro, resultante da sua viagem a Biskra na Argélia - «Nu Bleu» - que é considerado como mais um salto qualitativo numa evolução artística em fase de afirmação.
Perante a sensualidade e os tons mediterrânicos do quadro do amigo e rival, Picasso sabe que tem de ir mais longe, Ora, em agosto, ele franqueia, quase por acaso, as portas do Museu Etnográfico do Trocadéro e o que se passa no seu íntimo é uma tremenda surpresa. Porque as máscaras africanas exalam uma magia, que o fascinam no seu primitivismo, que ele logo presume servir-lhe de estímulo para uma viragem definitiva na sua obra.
Ele sente que à nudez quase ingénua do quadro de Matisse ele deverá responder com o seu quase oposto: a que se pode vislumbrar nos bordéis, por onde já tinham andado Degas ou Toulouse-Lautrec.
Algumas das figuras femininas das «Demoiselles d’Avignon» ostentam a influência mais que explícita das máscaras africanas, que o haviam fascinado. E ele decide-se assim pelo tema do pavor em recorrer-se aos corpos das mulheres desses prostíbulos para satisfazer desejos instintivos, na aparente sugestão de posse, e que acaba por refletir algo de mais profundo, que é a capacidade feminina para exercer nos homens tal sortilégio. O que lhes garante uma superioridade inquestionável. 
Picasso consegue, assim, pôr em causa todas as certezas, inventando uma nova linguagem. A arte, que fora até então tida quase como uma distração pueril acaba por se revelar portadora de mensagens de rutura, de magia, de anúncio da força ascendente da cultura...

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