domingo, 23 de junho de 2013

FILME: «Freaks» de Tod Browning (1932)

Freaks é um filme único na história do cinema porque, exceto em dois casos, é interpretado por fenómenos de feira, todos eles com graves anomalias físicas: anões, o homem tronco, as irmãs siamesas, a mulher barbuda, etc.
O seu surgimento tem a ver com a intenção de Irving Thalberg, o produtor da tradicional e puritana Metro-Goldwyn Mayer, em superar os filmes fantásticos da Universal, que acumulava sucessos com títulos como Drácula (1931). E não se enganou ao confiar a realização do seu projeto a Tod Browning, mesmo ignorando que a censura trataria de amputar mais de 25 minutos ao filme.
Browning conhecia o universos circense desde a adolescência. Depois, encontrara Lon Chaney em 1919, com quem rodará uma dezena de filmes fantásticos na década seguinte, a maior parte dos quais passados no ambiente das feiras populares. Num deles, The Unknown (1927), o personagem não hesitava em amputar os braços por amor a uma amazona.
Em 1931 ele realiza a primeira versão sonora de Dracula com Bela Lugosi, logo seguido de The Iron Man . Era, pois, o realizador ideal para concretizar o projeto de Freaks.
O filme começa com o anuncio de seres monstruosos disponíveis para serem apreciados numa das barracas da feira: um homem tronco, a mulher pássaro, as irmãs siamesas, etc.
A multidão precipita-se para esse circo Tetrallini para assistir ao espetáculo. Seguimos depois para os bastidores, com a vida quotidiana dos artistas e das suas roulottes. O anão Hans está noivo de Frieda, que tem a sua altura. Mas a bela trapezista, Cleópatra, aceita presentes dele, apesar de o desprezar, mas estimulada pela notícia da fortuna, que em breve lhe caberá. Razão para, com a ajuda de Hércules, desposá-lo, para depois o envenenar e herdar-lhe tal pecúlio.
Quando se celebra a boda, Cleópatra repudiará violentamente Hans no copo-de-água, insultando-o e humilhando-o perante todos os convidados.
Não tarda que o anão se aperceba do envenenamento a que ela o sujeita a pretexto de dele cuidar. Mas os amigos monstros dele decidem vingá-lo: numa noite de tempestade matam Hercule (castram-no na versão censurada) e mutilam Cleópatra, que se transforma assim num novo fenómeno de feira: «a maior monstruosidade viva de todos os tempos».
Freaks é o filme da transgressão dos limites e da inversão dos valores. São os personagens de aparência «normal» (Cleópatra e Hercule), quem revelam ser verdadeiros monstros , enquanto os seres disformes irradiam humanidade e ternura.
Cleópatra e Hercule - imagens convencionais da beleza e da força - são ainda mais monstruosos, porque não hesitam em cometer todas as indignidades em proveito do roubo planeado. Pelo contrário o filme considera os «monstros» físicos como indivíduos com quem o espectador é impelido a partilhar as emoções, as deceções e as humilhações: como, quando a embriagada Cleópatra, injuria cruelmente os convidados do copo-de-água. Os anões Hans e Frieda, as irmãs siamesas, a mulher barbuda e o marido,  o esqueleto vivo, o andrógino, o homem tronco, o torso vivo, a morena «maravilha sem braços», a «Vénus do Milo» loura, as gémeas com cabeças de agulha, a mulher pássaro e a rapariga cegonha, são todos comovedores, solidários e dotados de um verdadeiro sentido de humor.
Freaks é, pois, um filme espantoso na fronteira entre o que é ou não normal. Fisicamente, Hercule e Cleópatra demarcam-se do grupo dos normais, ele pela sua força e apetite, e ela pela beleza, sedução e situação no espetáculo (no trapézio).
Simetricamente Hans e Frieda distinguem-se dos outros monstros na medida em que nem são mutilados, nem disformes: apenas constituem modelos reduzidos, miniaturizados.
O jogo da normalidade e da anormalidade é, assim, mais subtil que a oposição inicial poderia pressupor, já que se manifesta quer no plano físico, quer moral, desenvolvendo-se inflexões frequentes num e noutro ao longo da história.
O filme foi muito mal recebido em Hollywood chegando a ser proibido em Inglaterra até 1963. Ainda assim teve uma influencia decisiva noutros filmes de «monstros» ulteriores como foram o caso de La Donna Scimmia de Marco Ferreri (1964) e The Elephant Man de David Lynch (1980). Em França constituiria objeto de culto do movimento surrealista durante os anos 30.



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