sexta-feira, 2 de agosto de 2013

DOCUMENTÁRIO: «Amor e Sexo sob a ocupação nazi» de Isabelle Clarke e Daniel Costelle

De entre as imagens da libertação da França do jugo nazi existem algumas que impressionam pelo que comportam de humilhação para as mulheres aí maltratadas: as que eram acusadas de terem sido amantes dos soldados nazis eram completamente despidas e sujeitas ao corte total do cabelo antes de serem “passeadas” pelas ruas das cidades e aldeias para depois se verem atiradas para as águas das fontes municipais.
Por muito ignóbil, que tivesse sido o seu comportamento nada justifica atos de tal barbárie.
Ora, o interesse do documentário recentemente apresentado na RTP2 tem a ver com uma questão pertinente: o que terá levado essas mulheres a sacrificarem a reputação para chegarem a essa forma de colaboracionismo com o ocupante?
Ainda assim a fonte documental em que se baseia é a mais suspeita possível: os livros de Patrick Buisson, “1940-1945: les années érotiques”.
O facto de tal “historiador” constituir um dos nomes da direita francesa que, além de próximo de Sarkozy, mais tem pugnado pela comunhão de estratégias dos partidos da sua área política com a extrema-direita de Le Pen, revela bem o tipo de complacência com que o filme toma posição ideológica a favor de todos os colaboracionistas ali evocados. A utilização das imagens degradantes das mulheres humilhadas no imediato pós-guerra só serve de alibi para passar sub-repticiamente uma compreensão implícita para muitos dos comportamentos de traição á França de quantos aderiram com entusiasmo à causa nazi.
Mas, porque até nos mais descarados documentos com que se manipula a informação podem facultar algumas conclusões interessantes, o documentário permite entender algumas justificações para a questão formulada inicialmente.
Comecemos pelo corpo: o desfile das tropas nazis a 14 de julho de 1940 nos Campos Elísios permitiu revelar aos parisienses a imagem de um exército constituído por jovens bem alimentados, bem fardados e com um garbo sugerido pelo seu comportamento prussiano.
Que diferença em relação à imagem lamentável dos soldados derrotados nas linhas Maginot, sujos e esfarrapados, que tinham claudicado na missão de proteger a França dos seus invasores!
Se antes de chegarem à capital esses alemães eram encarados com o terror de quem ainda tinha presentes as violações e os crimes cometidos nas precedentes campanhas militares de 1870 e de 1914, as ordens do Quartel General do Reich para que fossem solícitos, se não mesmo simpáticos para com os parisienses, depressa convenceram estes últimos de quanto se encontravam melhor protegidos sob a alçada da Wehrmacht.
Ademais, na sua operação de sedução à população ocupada, os alemães não tardaram a propiciar-lhes grandes concertos ao ar livre em Paris assistidos por milhares de rendidos espectadores.
O medo inicial transformou-se em curiosidade para muitos dos mais conformados com a nova realidade.
O verão de 1940 funcionou para os soldados alemães como uma espécie de férias grandes. E as francesas são o objeto do seu desejo. Muitas raparigas aceitam namoro desses jovens, apesar do Estado Maior nazi preocupar-se em enquadrar a sexualidade dos seus soldados  estipulando quais os bordéis recomendados para não incorrerem em atos mais censuráveis por uma população, que se pretendia neutralizada.
Essa época também foi caracterizada por uma moral muito conservadora que incitava as raparigas a casarem antes dos 25 anos e dedicarem-se doravante à condição de mãe de família. Era essa a versão propagandeada da mãe ideal pelo regime de Vichy.
A Resistência começou então a dar sinal da existência de um crescente inconformismo perante a Ocupação e os primeiros atentados vitimaram soldados ou oficiais, que tinham ligações amorosas com mulheres francesas.
Começou então a degradar-se a relação entre ocupantes e ocupados, com a máscara da bonomia germânica a dar lugar a sucessivos crimes de guerra, muitos deles cometidos contra mulheres francesas, violadas e assassinadas, chegando a haver soldados que registaram em fotografia ou em filme esses “atos de retaliação” contra quem os tomava como alvos.
Mas, por essa altura, ainda muitos dos principais artistas franceses andavam a participar empenhadamente nos programas e espetáculos promovidos ou frequentados pelos nazis: Sacha Guitry, Danielle Darrieux, Arletty ou Charles Trenet macularam definitivamente as respetivas biografias.
Por essa altura abundaram raparigas ainda adolescentes que, atraídas por um desafogo vedado aos compatriotas, namoraram sem problemas de consciência com soldados e oficiais alemães. Ou viúvas e mulheres de prisioneiros de guerra a prostituírem-se como mero subterfúgio de sobrevivência.
Serão essas raparigas e mulheres adultas, quem servirão de bode expiatório a uma França libertada e bem recheada de vira-casacas de última hora, desejosos de nelas demonstrarem o seu recente antifascismo. Para além dessas vergonhosas humilhações, muitas dessas vítimas acabarão sumariamente executadas em praça pública.
E o documentário conclui o seu posicionamento ideológico ao comparar o efeito da chegada dos norte-americanos a Paris com o dos soldados nazis de quatro anos antes. Com o mesmo efeito sedutor em função das suas belas fardas e da sua musculada estatura. Como se fosse uma fatalidade essa tendência feminina para se deixar seduzir pelos bíceps dos ocupantes , independentemente da ideologia de que seriam portadores.


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