domingo, 20 de outubro de 2013

TEATRO: «MacBain» no Maria Matos

Logo a seguir ao 25 de abril estreou-se no antigo Satélite (que ficava por debaixo de um dos balcões do então Cinema Monumental) um filme de Fernando Arrabal intitulado «J’irai comme un cheval fou».
Expoente de uma forma abjecionista do surrealismo, o filme tinha algumas cenas particularmente fortes, que levaram uma das espectadores na sessão em que assistiamos ao filme a pronunciar em voz alta um comentário inesquecível: «Vem uma pessoa ao cinema para se divertir!».
Mais tarde, já nos anos oitenta, Filipe La Féria encenou  «O Evangelho segundo Pier Paolo Pasolini» no pequeno teatro da Casa da Comédia ali às Janelas Verdes, e também uma espectadora ficou registada na nossa memória, quando, impossibilitada de sair da bancada em anfiteatro, escondeu a cabeça no colo e ciciou «Ai que vergonha! Ai que vergonha!» durante quase toda a sua duração.
Os anos passaram, muitos dos tabus de então foram-se dissolvendo, mas dei por mim a pensar no que sentiriam tais espectadoras perante este espetáculo, baseado num texto do holandês Gerardjan Rijnders escrito propositadamente para Gonçalo Waddington e Carla Maciel, que o interpretaram durante cinco dias consecutivos no Teatro Maria Matos.
O conceito da peça é extremamente interessante: o dramaturgo ponderou no que seriam os dias do casal Macbeth, quando os assediavam os fantasmas dos que haviam matado para acederem à coroa escocesa e enquanto aguardavam pelo momento em que as árvores da floresta de Birnam começariam a movimentar-se para os virem punir. E associou essa inspiração ao que se pode adivinhar dos dias e noites do casal Kurt Cobain /Courtney Love em vésperas do trágico desenlace depois verificado.
O que mais impressiona na peça não é, porém, a engenhosidade do texto, mas o desempenho dos atores, obrigados a uma entrega física de grande exigência. Muito embora não seja particularmente fã dos Globos de Ouro, não vejo porque é que Carla Maciel não possa vir a ser uma sucessora potencial de Monica Calle, já galardoada por interpretação de reconhecida complexidade.
Não se trata, porém, de um espetáculo para quem pretendesse aliviar-se dos rigores destes tempos difíceis. Podemos estar dissociados da tremenda violência política e social, que se abate sobre nós, mas caímos no espaço aonde ela consegue ser igualmente devastadora: no interior da relação conjugal. Porque o casal da peça procura debalde no sexo violento e insatisfatório uma libertação das angústias, que lhes cresce avassaladoramente, e não consegue evitar que a descrença numa qualquer redenção venha a concretizar-se. Até no espaço da sua conjugalidade estão fatalmente entregues a si mesmos numa incontornável solidão.
Quem entra na sala do Maria Matos e se senta perante o palco, perde toda e qualquer esperança de dali sair confortado com uma qualquer forma de compensação assertiva. O espetáculo incomoda, impressiona e dá o ensejo a Gonçalo Waddington e a Carla Maciel para demonstrarem os atores de exceção que, efetivamente, são!


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