sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

LIVRO: «Aquilo que eu Amava» de Siri Hustvedt

Atingida a fase crepuscular da sua vida o professor Leo Hertzberg recorda o último quarto de século, quando algumas pessoas excecionais vieram enriquecer a sua biografia pessoal.
Para trás havia ficado a família deixada na Europa, quando os pais tinham aportado a Nova Iorque, e que se tinha desaparecido nas colunas de fumo saídas das chaminés dos campos de concentração.
À partida, senão diretamente, Léo conhecia o significado da maldade no estado puro e do sofrimento suscitado pela ausência de quem com ele tinha a cumplicidade do sangue. Não poderia imaginar que esse tipo de maldade e uma forma similar de sofrimento iriam marcar o seu futuro. Porque, nos primeiros anos, cobertos por este relato na primeira pessoa, tudo parece correr maravilhosamente: torna-se amigo de um pintor, cujo talento admira e ajudará a afirmar no exigente ambiente cultural de Manhattan nos anos setenta. Depois ambos encontram a felicidade quase absoluta nos respetivos amores: Léo casa com Erica e ambos concebem um miúdo excecional: Matt. Por seu lado Bill começa por não acertar à primeira tentativa, com Lucille - que, porém, tem Mark como filho de ambos - mas consegue atingir um patamar superlativo da felicidade com uma sua antiga modelo: Violet.
Siri Hustvedt - que começamos por estranhar na convicção com que dá a palavra a um personagem masculino! - aproveita para ilustrar as tendências artísticas desse período com as artes plásticas a passarem de opções mais convencionais para outras de cariz prioritariamente conceptuais em suportes menos canónicos.
A tragédia abate-se, então, sobre o casal Léo e Erica: Matt afoga-se num acidente de canoagem na colónia de férias, onde passava duas semanas com Mark. Mais do que esboroarem-se as promessas de grande talento artístico, que os seus exercícios junto de Bill permitiam pressupor, a morte de Matt vai criar uma ferida profunda nos pais, que depressa chegam à conclusão de não conseguirem continuar a  viver sob o mesmo teto. Por isso, aproveitando o convite de outra universidade, Erica vai dar aulas para longe dali.
Por um breve período, Mark funciona para Léo como um substituto de compensação da ausência do filho. Mas intromete-se, então, um personagem de incontornável malignidade: Teddy Giles é um jovem artista, que escolheu a provocação como via mais expedita para ser considerado um prodígio por um conjunto de críticos sempre dissonantes das opiniões de Léo. E Mark deixa-se fascinar por aquele fenómeno, tanto mais que Bill também morre por essa altura e o deixa com a liberdade bastante para iludir a mãe e a madrasta. Sucedem-se as fugas, os roubos e um estado psicótico, que chega a assustar Léo. Sobretudo, quando persegue o rapaz e o seu amante por sucessivas cidades do interior norte-americano sem suspeitar que o estão a atrair a uma armadilha de que só se livra por mera sorte. Aquela que não tivera um adolescente chamado Rafa, cujo corpo mutilado será encontrado pela polícia numa das margens do Hudson.
Haverá o alívio de ver Mark definitivamente dissociado dessa influência diabólica, definitivamente encerrada por trás das grades de uma penitenciária. Mas Léo não terá ilusões: de uma ou outra forma, o filho de Bill e de Lucille andará sempre à beira do lado mais selvagem da vida. E Violet partirá para Paris sem que lhe possa aceitar o amor que gostaria de viver plenamente nessa fase em que só lhe resta verter para uma velha máquina de escrever tudo quanto testemunhara…
Siri Hustvedt investiu seis anos na construção deste romance, que ilustra vidas excecionais num tempo de significativas transformações idiossincráticas. Mas onde a solidão continua a caracterizar-se pela soma das ilusões perdidas...


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