terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

IDEIAS: a Utopia que nunca se concretizou

Quando se trata de quererem desqualificar o marxismo enquanto ferramenta fundamental para o entendimento e crítica do capitalismo, os seus detratores apressam-se a evocar os “desenvolvimentos leninistas” da teoria, se é que não chegam ao exagero de quererem ver nas tragédias do Kampuchea de Pol Pot ou da Coreia do Norte qualquer similitude com as propostas contidas no «Manifesto do Partido Comunista».
A tendência dos últimos anos para o enriquecimento obsceno de uma minoria com acesso a todos os privilégios e o empobrecimento da maioria de todos os demais cidadãos a nível global, voltou a conferir uma enorme atualidade ao pensamento marxista, cuja relevância deverá ser assumida por todos quantos se indignam com o presente estado das coisas e o querem substituir por outro, mais justo e igualitário.
Importa, pois, combater as ideias batidas sobre os equívocos com que se pretende reduzir o marxismo a um corpo teórico ultrapassado e apenas com lugar nos compêndios de História. Avancemos aqui algumas premissas sobre o assunto.
O capitalismo atribui uma relevância enorme ao conceito de produção e ao desenvolvimento das suas capacidades. Mais: para os defensores deste sistema em degenerescência os economistas só deveriam concentrar-se na produção. Ora, Lenine não escapa a tal armadilha…
Pelo contrário Marx está mais interessado nas relações de classe verificáveis nessa produção, nomeadamente na exploração da mão-de-obra pelos detentores do capital e dos meios de produção.
No entanto, quando a Revolução de Outubro ainda só figurava no domínio da Utopia distante, Lenine preparou o seu primeiro texto teórico sobre questões económicas («Da pretensa Questão do Mercado», 1893) recorrendo ao que lera no Livro II de «O Capital». Para ele a economia natural dos produtores diretos transforma-se numa economia mercantil sob a influência da divisão social do trabalho. Ao alcançar o patamar de economia capitalista verifica-se a transformação da força do trabalho em mera mercadoria.
Sem avançar outra explicação Lenine atribui à concorrência, decorrente da produção de mercadorias, a razão da diferenciação social e o aparecimento do proletariado.
Aparentando seguir os textos de Marx, Lenine está bem mais próximo de Adam Smith quando explica a desigualdade social em função da concorrência.  Pelo contrário Marx enfatiza o processo capitalista de confisco dos meios de produção aos produtores, doravante reduzidos à condição de vendedores da sua força de trabalho.
Lenine ignora a argumentação de Marx segundo o qual o progresso técnico está fundamentado na redução do custo da mão-de-obra  na redução do preço dos bens consumidos pelos trabalhadores mediante os seus respetivos salários. Trata-se, ainda assim, de uma omissão espantosa, já que se trata de um dos principais conceitos marxistas.
Para conferir consistência aos seus objetivos, Lenine tem de recorrer ao argumento da especialização crescente do trabalho e do papel crescente do mercado para os que, por essa altura, continuavam céticos quanto à exequibilidade de um desenvolvimento capitalista na Rússia czarista.
Lenine até negligencia o papel das comunas rurais, então fundamentais no contexto da agricultura russa, porquanto, mesmo após a Reforma Agrária dos finais da década de 1870, 89% dos camponeses mantinham-se ligados a tais comunas em 1905.
Ora Marx, que até nem era especialista no assunto, evidenciara ter compreendido a possibilidade dessa realidade comunitária liderar a regeneração social na Rússia e de, por isso mesmo, não se verificar a obrigatoriedade de uma fase capitalista na passagem de uma sociedade feudal para outra de cariz comunista.
Valerá a pena aprofundar o estudo das divergências entre o pensamento leninista e a sua matriz marxista para aferir se não terá surgido aí o começo do desvio, que levaria as sociedades do leste europeu para práticas muito diferentes dos prometidos amanhãs que cantariam...


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