segunda-feira, 24 de março de 2014

IDEIAS: será que a liberdade política é incompatível com a liberdade económica?

O liberalismo político não se resume necessariamente a dar cobertura ao empreendedorismo económico dos discípulos de Adam Smith. Daí que Raymond Aron  tenha tido o cuidado de distinguir os dois liberalismos no seu «Ensaio sobre as Liberdades»: Politicamente, o liberalismo defende a limitação do poder estatal. Na ordem económica fia-se nas virtudes da iniciativa individua, na mão invisível e na conciliação, graças aos mecanismos do mercado, entre o egoísmo de cada um e o bem de todos.
A distinção convida à prudência e, sobretudo, a desconfiar das identificações demasiado apressadas entre o liberalismo e a democracia.
Se é verdade que a Democracia - seja ela qual a forma de que se revista desde a representativa à monarquia parlamentar - garante, melhor que qualquer outro tipo de regime, as liberdades políticas, os Liberais, quando pensam como economistas, estão longe de lhe atribuírem as mesmas qualidades. De facto, a Democracia dinamiza a vida política enquanto o liberalismo económico milita a favor de um desaparecimento progressivo da política.
Uma boa demonstração desta evidência está na vida política europeia subsequente à crise de 2008, com sucessivos governos a avançarem para estratégias de austeridade para as quais se eximem de levar em conta as opiniões dos seus povos. Não admira que, nestes últimos anos, se tenham criado as condições para um afastamento progressivo dos eleitores dos seus eleitos, com a vulgarização da ideia da Política como algo de profundamente negativo, como feudo privilegiado da corrupção.
Ora, um povo que não se interessa pela sua participação cívica, fica condenado a deixar que, quem tal desinteresse lhe fomentou, tome por si as decisões, que deveriam ser de todos.
Alguns não hesitam em desejar implícita , ou explicitamente, um regime despótico, que sirva para clarificar a atividade política reduzindo-a ao mínimo. Quem não se lembra das palavras de Manuela Ferreira Leite, quando lançou a hipótese de congelar a Democracia durante seis meses?
Numa situação desse tipo o déspota garante a “ordem” necessária para fazer funcionar os mercados e uma aparente “transparência” política, dado que fica como a única fonte do Direito e da decisão.
Pierre Rosanvallon lembra a existência de um texto pouco conhecido de Quesnay, intitulado «Do despotismo na China»: o que Quesnay admira mais na China é que seja governada pelos mesmos princípios desde há vinte e quatro séculos. Quando se olha de fora para o que foram as estratégias de Mao Zedong, Deng Xiaoping ou dos seus atuais sucessores, há quem os compare com muito do que era comum suceder na época do Império do Meio.
Os fisiocratas do século XVIII que defendiam o «governo da natureza das coisas» pretendiam que o poder deveria limitar-se a ser uma mecânica simples, fiel à ordem natural. Detestavam, pois, a teoria de Montesquieu, que enfatizava a importância dos contrapoderes destinados a proteger a liberdade dos indivíduos contra a autoridade política, pois aumentava o número de instituições políticas em vez de as reduzir.
Devido aos riscos de confusão entre liberalismo político e liberalismo económico, alguns autores adotaram a designação de «ultraliberal» para os teóricos da limitação da intervenção reguladora do Estado na vida económica, na dinâmica da livre concorrência e no confronto dos interesses pessoais. Aquilo que passos coelho e os seus cúmplices se esforçam por conseguir na mais lata dimensão possível.


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