segunda-feira, 24 de março de 2014

MÚSICA: Riccardo Chailly e a música como consolação

No ano passado pudemos conhecer as imagens do sucedido no Concertgebouw de Amesterdão, quando Maria João Pires teve um súbito bloqueio no momento em que se preparava para interpretar uma peça de Mozart e o maestro Riccardo Chailly cuidou de, elegantemente, lhe dar a confiança necessária para superar a dificuldade e a interpretar irrepreensivelmente. Fosse outro o maestro e, porventura, a nossa pianista teria maiores dificuldades em ultrapassar um dos momentos mais difíceis do seu percurso artístico.
Mas quem é Riccardo Chailly? Numa altura em que já não contamos com Claudio Abbado entre os vivos, será difícil considerar quem é o seu sucessor enquanto maior maestro atual. Mas, Chailly está no pelotão da frente de entre quantos possam aspirar a tal estatuto.
Tudo começou quando o jovem Riccardo, ainda com oito anos, se fechava no quarto a dirigir orquestras imaginárias para deslumbramento da mãe e pouco mais do que indiferença do pai. Este atribuía a brincadeira a isso mesmo, uma vontade infantil de efabular, e só mais tarde, quando um amigo lhe chamou a atenção para o verdadeiro talento do filho, é que começou a nisso acreditar.
Nascido numa família de músicos, Riccardo entrou no Scala de Milão pela primeira vez, quando acompanhou o pai, que era aí diretor artístico, para assistir a um espetáculo de bailado. Mais tarde, quando ainda só contava vinte anos, viria a aí ser maestro assistente de Abbado com quem trabalharia e aprenderia intensamente.
Hoje, para alem de dar uma importância fundamental ao núcleo familiar, que sente como imprescindível para o equilíbrio emocional, Chailly divide a sua atividade entre o Scala e Leipzig, onde é maestro titular da prestigiadíssima Gewandhausorchester desde 2005.  Para além dos muitos convites que recebe para deslocar-se a muitos outras grandes salas de concerto e de ópera europeias.
Importa-lhe respeitar as idiossincrasias diversas de cada uma dessas orquestras e dos respetivos públicos. Se no Scala é obrigatória a tonalidade italiana, na de Leipzig tem de contar com a coloratura, que se tornou a sua marca de identidade durante décadas. Daí que se atenha devidamente, não só às obras a dirigir, mas também onde e para quem serão interpretadas.
Héléne Grimaud, a conhecida pianista que com ele tem trabalhado amiúde, confessa admiração pela transparência, pela limpidez das obras, quando sujeitas à sua direção. Porque quase parece que se conseguem ouvir todas as notas da pauta em separado e, ao mesmo tempo, na integralidade do conjunto que fazem com as demais.
Quando se trata da direção musical de óperas ele é conhecido por não se limitar apenas ao trabalho com a orquestra, mas também a interagir com os cantores para alcançar a melhor harmonia entre os desempenhos de uns e de outros. Mas esse aprofundamento das obras leva-o a descobertas inesperadas e extremamente estimulantes ainda hoje, passados tantos anos sobre o início do seu percurso musical. Por exemplo nos pontos comuns e insuspeitáveis entre a música de Giacomo Puccini e a de Gustav Mahler.
Para ele a música comporta sempre um elemento de esperança, que pode ajudar a superar neuroses, tensões, solidões ou amargura. Ela é um elemento de consolação, que nunca deveríamos dispensar.



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