domingo, 16 de março de 2014

TEATRO: «Tropa Fandanga» pelo Teatro Praga no D. Maria II

Foi há pouco mais de um ano: no âmbito de uma Conferência dedicada à defesa do Portugal soberano e desenvolvido, a atriz Joana Manuel proferiu um discurso memorável, que se tornou viral no youtube. Nele confessava a desilusão de continuar a ser considerada jovem aos 37 anos, sem possibilidades de encontrar a qualidade de vida prometida pela Revolução de Abril e jamais conhecida por ela, que trabalhara anos a fio no Teatro Nacional a recibos verdes. E, então, com a crise a impor apenas soluções austeritárias, ela questionava-se sobre a necessidade de quebrar o espelho invertido em que se via refletida.
Na segunda parte da peça «Tropa Fandanga», que conhece hoje a última representação no palco principal do D. Maria II, o seu texto memorável - e dolorosamente atual - insere-se com muita acuidade entre os quadros de comédia e musicais, concebidos pelo coletivo do Teatro Praga para homenagearem a Revista à Portuguesa, e lembrar duas efemérides: o centenário da I Guerra Mundial e os 40 anos decorridos desde o fim da Guerra Colonial.
Se toda a peça é extremamente divertida, com excelentes momentos musicais e uma interpretação superlativa de quase todos quantos nela atuam, não deixa de ser muito inteligente a forma como critica este estado cadaveroso defenestrado pela direita no poder. Não é inocente o número final em que os cravos e as espingardas se misturam com um guarda-roupa a evocar a iconografia da Revolução (a camponesa, o operário, o soldado, etc.).  Nesse momento de consagração final de todo o elenco fica renovada a questão colocada por Joana Manuel quanto à necessidade de quebrarmos o tal espelho invertido.
Tendo-a visto só na véspera da sua saída de cena, reagimos com aplausos vibrantes e a pena em não lhe ser possibilitada temporada mais prolongada para a ela convocar quantos, de amigos a conhecidos, só ganhariam em passar quase três horas a assistirem a múltiplos retratos da arte de sermos portugueses. O que equivale a satirizar o nosso pior (os  programas do tipo dos apresentados por Teresa Guilherme ou o kitsch da mala de cartão da Linda de Suza), mas também a evocar quem, neste género de teatro foi superlativo (Solnado e Villaret recriados por José Raposo e Ivone Silva através da notável revelação, que foi Filipa Cardoso enquanto muito mais do que mera fadista!). E até há também lugar para a revisitação da História Portugal em meia dúzia de minutos …
Voltando ao texto de Joana Manuel o que ele transparecia era o lamento de uma geração com conhecimentos e talentos ímpares e desaproveitados por esta gente medíocre, mas capaz de abocanhar o poder sem qualquer escrúpulo. Porque olhando para André Teodósio, para Cláudia Jardim, para Joana Barrios, para a referida Filipa Cardoso e para a própria Joana Manuel, somos obrigados a reconhecer que essa geração, hoje situada entre os 25 e os 40 anos, merece muito mais do que este país tem estado a facultar-lhes. E é por isso que, ao mesmo tempo que diverte (o que é bem melhor do que cavarmos ainda mais a depressão coletiva com propostas soturnas!), «Tropa Fandanga» também comove por nele se sentir o esforço homérico de gente valorosa e tão insuficientemente compensada pelo seu mérito.
E o melhor reconhecimento está no próprio José Raposo que, com o seu currículo no Parque Mayer, caucionou uma proposta respeitadora da tradição do género e se multiplicou em referências encomiásticas em tudo quanto foi televisão e jornal a respeito da genialidade desses jovens com quem se sentiu privilegiado trabalhar.
Embora ainda estejamos no final do primeiro trimestre não me custa considerar que este terá sido um dos melhores espetáculos do ano em curso.


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