quinta-feira, 17 de abril de 2014

FILME: «The Grand Budapest Hotel» de Wes Anderson

Quando quero recordar um episódio do passado em que tenha presenciado o paradigma da nostalgia sou obrigado a regressar ao fiorde de Andalesnes, na Noruega, quando estava como oficial do paquete «Funchal» e aí deparámos com um outro navio de cruzeiros ainda a cheirar a novo, atracado à nossa proa.
Uma tarde, estava a beber um copo no Bar Porto, quando chegaram uns passageiros norte-americanos do outro navio, a pedirem para visitarem o nosso, já então com quase trinta anos de muitos mares navegados. E foi espantosa a reação desses gringos, absolutamente fascinados com o aspeto “old fashion”, que nos era quase indiferente ao fim de uns quantos anos a tê-lo como ambiente quotidiano.
- É como voltar aos tempos das grandes viagens transatlânticas! - reconhecia um.
- Um verdadeiro cenário de Hollywood! - aventava outro, a querer informar-se como poderia vir a viajar no nosso navio.
E não se enganava que, ainda alguns meses antes, estivéramos atracados e a navegar à volta de Motril, no sul de Espanha, para a rodagem de um filme italiano com o Nicolas Cage e com a Ornella Muti, passado no tempo em que soldados de Mussolini partiam para a campanha da Abissínia.
O episódio serve para demonstrar como quase todos nós mitificamos alguns cenários e vivências do passado, que julgamos terem tido um glamour, que, na realidade só existiu nos filmes ou nos romances com que colorimos a impaciência do ciclo adolescente, em que nos julgávamos fadados para destinos mais gloriosos do que viriam a ser os nossos.
Explica-se assim esse sentimento nostálgico, que tanto leva muitos dos nossos retornados a lembrarem saudosamente uma África colonial, onde não havia lugar para a guerra ou para a exploração esclavagista das populações negras, ou os alemães orientais a evocarem as férias maravilhosas à beira-mar sem nelas adivinharem a omnipresença da Stasi.
Perante o novo filme de Wes Anderson, que prometia o regresso ao espaço mítico da mitteleuropa tal qual  Stefan Zweig o descrevera, a expectativa era muita. Tanto mais que o trailer prometia que viéssemos a reencontrar o universo muito particular do realizador, cujos filmes podem mostrar-se sempre - como aqui sucede! - aquém das expectativas, mas não deixam de surpreender e se revelarem completamente às avessas do que vai povoando as salas habitualmente rendidas às pipocas e à coca-cola.
Não saí, pois, entusiasmado de quase duas horas de viagem pelo mundo desse M. Gustave, que fizera da arte de dirigir um hotel, a quintessência da sofisticação, mesmo que traduzida depois na facilidade com que ia saltando pelas camas dos hóspedes idosos, fossem eles do sexo masculino ou feminino.
Para além das sucessivas voltas e reviravoltas, que se vão sucedendo, existe um elenco assombroso, como já é difícil encontrar num mesmo filme, e uma cenografia ao mesmo nível de extravagância e de saborosa irrealidade.
Sobram alguns momentos entediantes? Como os evitar? Mas a experiência cinéfila é suficientemente gratificante para que não nos atardemos no que faltaria para que ela assumisse a dimensão da obra-prima.
Não o é, mas constitui divertimento inteligente o que não é coisa pouca numa altura em que as alternativas passam pelas vulgaridades de margaridas rebelo pinto, por mais uma chachada do homem-aranha ou pelas iminentes estreias das biopics sobre grace do mónaco ou yves saint-laurent.



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