domingo, 27 de abril de 2014

POLÍTICA: matar a burguesia como substituto do pai edipiano?

(a propósito do documentário «Bertolucci on Bertolucci» de Luca Guadagnino e Walter Fasano)
Das muitas secções do festival Indie, as que passam na Cinemateca têm particular interesse para os cinéfilos, que dispõem de propostas particularmente interessantes para aprofundar o conhecimento sobre alguns dos grandes cineastas do século XX.
Numa das sessões de sábado, dia 26, foi proposto o documentário dos italianos Luca Guadagnino e Walter Fasano sobre o realizador de um dos filmes da minha vida: «A Estratégia da Aranha».
É certo que Bertolucci deixou de fazer coisas interessantes há já uns bons anos, sobretudo desde que se sentiu atraído pelas propostas de trabalho oriundas de Hollywood (muito embora tenha ainda rodado «1900» nesse período), mas os autores do documentário conseguiram reunir dezenas de depoimentos do realizador em fases muito distintas do seu longo percurso criativo conseguindo criar-lhes uma estrutura consistente e coerente, já que demonstram a relativa constância dos seus propósitos, mesmo que caracterizados por mais reflexivos em décadas idas e por prioritária autojustificação nos anos mais recentes.
Não deixa, porém, de ser muito curiosa a perspetiva por ele facultada em como o entusiasmo da intelectualidade dos anos 60 pelo maoísmo teve muito pouco a ver com um real interesse pelo destino das massas populares (junto das quais nunca conseguiram difundir as suas teses) mas com uma vontade freudiana de matar o pai, generalizado na figura abstrata da burguesia como classe.
Se regressarmos a esse passado somos capazes de recordar a virulência maoísta contra os comunistas, por eles considerados «revisionistas», muito mais intensa do que contra a direita contra quem se deveriam antagonizar prioritariamente. Mas, verberando Cunhal, preterindo-o pela equívoca personalidade de Ramalho Eanes, os maoístas portugueses estavam a explicitar quem melhor representava para eles a mítica figura de Laio, esse pai a quem Édipo assassinaria. Uma boa pista interpretativa dimanada de um criador, que soube aliar a leitura marxista da realidade com os complementos interpretativos facultados pela psicanálise.



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