quinta-feira, 19 de junho de 2014

É inevitável começar a falar de Espanha e acabar em Portugal!

Não deixa de ser singular a coincidência da “proclamação” de Filipe como rei de Espanha, um dia depois da escandalosa eliminação da respetiva seleção nacional do Mundial de Futebol.
Para quem nega os conteúdos metafóricos, que se podem extrair da interligação do futebol com a realidade conjuntural em que ele se inscreve, poderá ser motivo para fazer vacilar nas cristalizadas opiniões.
Apesar da pompa e circunstância, que rodeou a cerimónia de entronização do seu símbolo máximo, a monarquia espanhola está falida como instituição e só a esperança de um ilusório revigoramento através de novo rosto poderá fazê-la acreditar na sua sobrevivência.
Ademais é o próprio país em si, que enfrenta desafios para os quais não dá mostras de possuir ânimo para resolver. Tão envelhecida quanto a maioria dos jogadores levados por Del Bosque para uma tão amarga despedida das suas carreiras, a Espanha monárquica poderá ver-se seriamente ameaçada na sua territorialidade a partir do momento em que os catalães levem por diante o seu referendo independentista.
Se em pouco tempo a Escócia e a Catalunha conseguirem dar passos significativos no sentido de se dissociarem respetivamente do Reino Unido e da Espanha, que farão em seguida os bascos, os galegos e quiçá os valencianos?
Nesse sentido até pode ser benéfica a continuidade provisória da monarquia, porque seria bem mais complicado que o estilhaçamento da unidade espanhola ocorresse com uma República, que se tornasse - a exemplo do verificado em 1936 - no alibi dos mais conservadores para verem justificadas as apreensões quanto à decadência do seu arruinado universo.
Mas foi, igualmente, elucidativo que, apesar da intensa contestação a uma sucessão no trono sem que os eleitores pudessem exprimir a sua vontade num referendo, diz bem como em Espanha, como em Portugal, os líderes fracos tentam adiar a sua anunciada deposição com manobras dilatórias ou apego a regras já sem sentido.
A teimosia da monarquia espanhola em manter-se no poder mesmo à revelia do que o povo poderia ajuizar é a mesma que leva António José Seguro a rejeitar ir a votos com António Costa.
Confirmando o pior que dele ajuizáramos - como militante com quase trinta anos de ligação ao partido nunca nele votei para secretário-geral nas vezes em que ele para tal se apresentou! - Seguro mostra que é cego à realidade que se lhe apresentou nas europeias de 25 de maio, surdo ao clamor de milhares de militantes e de simpatizantes, que reclamam a sua substituição e, sobretudo, mostra um desrespeito absoluto por uma instituição fundamental da História portuguesa, que ele julgou poder privatizar em seu proveito e no do cada vez mais reduzido número de fiéis, que ainda o apoiam.
Independentemente dos estatutos mais ou menos blindados com que se julgou eternizar na sua liderança Seguro não interiorizou que o Partido Socialista não é coutada sua, nem dos seus amigos: ele pertence a todos quantos nele se empenham com o seu esforço, as suas quotas e as suas ideias.
É insultuoso que António José Seguro se julgue mais dono do Partido do que qualquer dos seus milhares de militantes. E, a exemplo de Filipe, só adia provisoriamente uma saída de cena, que a História já lhe aponta.
Se olhasse com lucidez para o que ontem ocorreu na Avenida da Liberdade em que centenas de apoiantes de António Costa não tiveram lugar na sobrelotada sala do Tivoli saberia que os sinos estão a dobrar pelo fim da sua liderança. E aceitá-lo-ia com dignidade e inteligência.


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