domingo, 8 de junho de 2014

Para acabar de uma vez por todas com a narrativa de que a culpa é do Sócrates!

No texto «Para acabar de uma vez por todas com a ideia de que europeias e legislativas não se deveriam misturar!» iniciei a abordagem das questões que o meu amigo J.J. levantava num comentário no facebook a propósito do atual momento vivido internamente no Partido Socialista, cingindo-me então á crítica, a muitos escutada, sobre a “ilegitimidade” de se associarem dois tipos de escrutínio com âmbito tão diverso. Como então se pôde ler não me passa pela cabeça fazer essa distinção, porque, quando se trata de votar, o eleitorado expressa, quer pelo voto, quer pela sua omissão, o que pensa das propostas políticas disponíveis. Por isso mesmo a mensagem de 25 de maio foi límpida: uma condenação veemente das políticas seguidas pelo (des) governo de passos coelho e de paulo portas e uma manifesta desaprovação da forma como António José Seguro se tem comportado na apresentação de uma alternativa credível.
A opção dos eleitores por se absterem, votarem nulo, em branco ou no protopopulismo de Marinho Pinto, explicitou, mais do que um desinteresse pela política, uma descrença naqueles que deveriam polarizar o justificado descontentamento coletivo com um projeto inovador e mobilizador.
O J.J. apontou para outra explicação que, curiosamente, teve origem na direita ainda durante a campanha e é agora agarrada, em desespero de causa pelos «belezas», que rodeiam António José Seguro, segundo os quais o resultado eleitoral de 25 de maio e as quedas nas sondagens são atribuíveis à presença omnipresente de José Sócrates.
Recusando-se a ver as limitadas qualidades, que os levam a ser rejeitados pelos eleitores, continuam a explorar os ecos da intensa campanha de continuo assassinato político a que o antigo primeiro-ministro foi sujeito desde os tempos em que se notabilizou como Ministro do Ambiente do Governo de António Guterres.
Deveria ser estudado, a nível psicanalítico, esse ódio visceral, que José Sócrates gera na direita portuguesa e nalguma esquerda, que àquela se colou para as ações de desgaste com que preparou o terreno para a ascensão ao poder de passos coelho e a viabilização de tudo quanto de, anticonstitucional, ele tem feito. Mas que esse ódio também tenha cabimento nalguns socialistas, que deveriam fazer o exame de consciência e perguntar até que ponto não terá sido a atitude doentia de se quererem dissociar da herança socrática e a quase quererem apagar da História recente portuguesa, a razão primeira para o fracasso, que agora estão em vias de conhecer.
Porque, se andei anos a combater as muitas «narrativas», que, à minha volta, via disseminadas para fazer de Sócrates um ser vil, capaz das piores malfeitorias, os três anos entretanto decorridos silenciaram muitas dessas vozes que, em muitos casos, acabaram por reconhecer a manifesta injustiça do seu juízo de então. Não é só a concretização do tal ditado popular, que diz bom fazer quem atrás dele virá: as comparações a esse respeito são gritantemente desfavoráveis a  passos coelho no respeitante à compulsão para a mentira e para desprezar os mais vulneráveis na nossa sociedade.
Hoje há muita gente. que se manifestou ativamente contra o governo de José Sócrates e agora dele recorda o impulso dado à investigação científica, à requalificação de adultos, à implementação de computadores e do inglês nas escolas, às energias renováveis, à criação de melhores e mais modernizados equipamentos escolares e hospitalares, etc.
É por isso muito natural que a pedra de toque que logo separa à partida as propostas de António Costa e de António José Seguro seja precisamente o orgulho ou o desprezo pela herança legada pelos governos de José Sócrates e de António Guterres.
Foram despesistas!, clamarão uns quantos a começar pela corte do ainda secretário-geral socialista. Mas não podemos esquecer que foi o Partido Socialista quem teve de conter, a nível parlamentar, as propostas absurdas da direita para aumentar a despesa, juntando-se tantas vezes às posições do PCP e do Bloco!
Quem se pode esquecer que foi essa mesma coligação paradoxal entre a direita e os partidos à esquerda do PS quem pretendeu ainda maiores aumentos para os funcionários públicos (escandalizando-se depois pelo facto de a eles o governo ter anuído antes das eleições de 2009!) ou quem arregimentava iludidos cidadãos para manifestações destinadas a criar quase tantas escolas, hospitais e maternidades quantas as aldeias do país?
Pode-se criticar a António Guterres o entusiasmo de introduzir Portugal na zona euro para a qual não tinha uma economia e uma indústria suficientemente preparadas. Mas, se acaso o não tivesse feito, alguma vez a direita lhe daria tréguas? Recorde-se que, então, e à exceção dos comunistas, os partidos políticos competiam no campeonato para mostrarem qual deles seria o mais europeu, já que os portugueses ainda se iludiam ao nível do que agora sucede com os ucranianos da parte ocidental do seu país: bastaria entrar a eito pela Europa adentro, que logo adquiriríamos a prosperidade dos seus mais ricos cidadãos.
A José Sócrates também se poderá criticar o facto de não ter conseguido modificar a economia, a indústria e a qualificação dos trabalhadores nacionais a tempo de poderem corresponder, pela produtividade e pela competitividade, aos sucessivos choques suscitados pela entrada da China nos mercados globais, pelo sucessivo alargamento da União Europeia a novos membros menos periféricos e com populações ainda muito qualificadas pelos seus antigos regimes comunistas e, sobretudo, contra essa imponderável crise financeira aproveitada pelos seus fomentadores para iniciarem uma campanha de pauperização acelerada dos povos do Sul da Europa de forma a aumentarem obscenamente a sua riqueza.
Mas essas críticas, explicáveis pelas circunstâncias, não escamoteiam o essencial: desde a Revolução do 25 de abril que, passado o PREC com o seu projeto utópico, só os governos socialistas tiveram a Visão para perspetivarem o que deverá ser o futuro do país de forma a contemplar a prosperidade bastante para os portugueses verem concretizados os direitos constitucionalmente consagrados à habitação, à saúde, à educação e ao trabalho.
Foi isso que António José Seguro não quis compreender, dando razão a Mário Soares quando nele vê algo muito diferente do que deve ser um socialista. Perante a direita, que conseguira levar a sua estratégia por diante, deveria ter, desde o primeiro dia, assumido a existência de um projeto socialista interrompido por quem apenas vinha para dar livre expressão às chamadas «forças do mercado».
Por isso o seu discurso nunca teve chama, jamais conseguiu reconciliar os portugueses com a única força política focalizada na criação das condições para que os portugueses vejam satisfeitas as suas genuínas aspirações.
É por tudo isto que são falaciosas as tentativas de ainda explorar a muito gasta tese das culpas de José Sócrates. Como se verá no futuro próximo, quando derrotada esta incompetente direção, o Partido Socialista voltar a reencontrar-se com a sua herança e com o seu projeto político sob a liderança de António Costa!


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