segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O euro e a crise do capitalismo democrático

A crise do capitalismo no universo democrático dos nossos dias tem sido objeto de análise por um dos mais interessantes sociólogos alemães, Wolfgang Streeck, cujas teses coincidem em muito com as emitidas entre nós desde há vários anos pelo professor João Ferreira do Amaral.
Entre ele e outro conhecido intelectual  alemão, Jürgen Habermas, decorreu uma polémica muito estimulante a propósito do futuro do euro. Embora ambos partilhassem a crítica ao neoliberalismo e aos seus efeitos destrutivos, divergiram completamente quanto à forma de ressuscitar um Estado Social forte  e sustentável.
Habermas defendeu a irreversibilidade do processo de globalização pelo que as funções outrora atribuídas aos Estados nacionais devem ser transferidas para universos políticos mais alargados, o que significa a defesa de uma maior união política a nível europeu com base na união monetária. No fundo Habermas coincide com as pretensões da direita europeia maioritária no Ecofin.
Streek limita-se a constatar uma evidência: em vez de ter contribuído para uma maior coesão entre os povos europeus, a união monetária pô-los uns contra os outros como não acontecia há muitos anos.
A forma apressada como o euro foi implementado não teve em conta a heterogeneidade das estruturas sociais e económicas, que ficariam vinculadas à uniformidade pretendida pela moeda única.
Ao impedir a possibilidade da desvalorização da moeda, o euro impôs a redução generalizada dos salários e  das reformas e o corte nas despesas públicas aos países deficitários a nível de competitividade. Essas políticas criaram a indesejada deflação e provocaram reações de profundo desagrado nos povos que as sofreram.
No ensaio «Du temps acheté. La crise sans cesse ajournée du capitalisme démocratique» (Ed. Gallimard), Streek verifica que a heterogeneidade intrínseca dos universos federalistas impede as políticas redistributivas de grande dimensão. Para que estas fossem possíveis seria inevitável que os cidadãos se sentissem unidos por sentimentos solidários, que possibilitassem a transferência de riqueza de uns grupos populacionais para outros sem que isso suscitasse significativa oposição. Assim, quando a política não se pode apoiar em valores comuns, abandona a «justiça social» e passa a orientar-se exclusivamente pelas imposições do mercado. Embora tivesse sido o execrável Hayek a propor originalmente essa tese, não é por ele ter sido o guru dos neoliberais, que essa constatação não deixa de ser verdadeira: os alemães ou os finlandeses rejeitaram a possibilidade de transferência de riqueza dos seus países abastados para os do sul, que logo trataram de desqualificar como madraços.
Mas essa hayekização do capitalismo europeu é para Streek o último grau da tal crise, que ele define em três fases: a inflação, o endividamento público e privado e esta crise financeira.
Streek preconiza que as instituições democráticas nacionais constituirão, no curto e médio prazo, os entraves mais eficazes para desacelerar a dinâmica do Leviatã supranacional.

Sem comentários:

Enviar um comentário