sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Ai quando a procissão for além do adro!

Durante muito tempo alimentámos o mito do DDT - “o dono disto tudo” - que controlava e condicionava o poder político em nome de uma estratégia com algo de florentino.
O que se vai sabendo na Comissão de Inquérito sobre o ocorrido no GES dá-nos uma outra perspetiva bem mais complexa do que a tipicamente maniqueísta em que tantos suportavam as suas opiniões.
Conclui-se que grande parte dos 250 membros da família Espírito Santo, que viviam à conta do grupo, auferiam de um estilo de vida altamente privilegiado sem terem qualquer mérito, que o justificasse  para além dos laços de sangue com Ricardo Salgado. Verdadeiro cérebro de todo o negócio da família, ele criou um poder autocrático provavelmente mais por necessidade do que por intenção de controlar quem lhe pudesse fazer sombra. É que muitos dos depoimentos ouvidos na comissão primam pela indigência mais inesperada e espelham perfis indisfarçavelmente medíocres.
Todos queriam manter o seu estatuto e por isso limitavam-se a dar cobertura às decisões de quem os presidia. Mas, para este, a crise financeira internacional, que vinha de antes, ganhou particularmente expressão com a falência do Lehman Brothers, passou a implicar um desafio para o qual não conseguiu encontrar solução.
A crise da economia portuguesa travou os grandes projetos de investimento público e as aquisições, como as dos submarinos de paulo portas, com que o grupo ia enchendo os cofres, como se o dinheiro fosse maná ininterruptamente caído do céu.
Quando os prejuízos se foram acumulando, nunca a solução passou por começar por cortar nas centenas de ordenados principescos, que eram pagos quase para nada se fazer senão ir assinando uns papéis.
Como uma bola de neve foram-se criando estratagemas - e o último terá sido o do derradeiro aumento de capital - para ir tapando aqui um buraco, que logo se abria acolá.
É fácil concluir que Ricardo Salgado não era nenhum génio da gestão por muito que a sua pose aristocrática infundisse um indevido reconhecimento à sua volta. E o problema do capitalismo português reside agora na desmistificação de uns quantos mitos criados nos últimos anos e que lembram a história do rei que vai nu (e Zeinal Bava é outro exemplo eloquente!)
Afinal aqueles que costumavam fazer capa das publicações económicas são uns toscos, que não compreenderam como é que a crise surgiu, nem como poderiam agir eficazmente para lhe evitar os danos.
Às tantas serão cada vez mais os que se interrogarão, com justificado fundamento, se é para isto que os josésgomesferreiras nos querem continuar a vender mentiras como as da superioridade da gestão privada em detrimento da do Estado.
O dia culminou no momento palpitante na carta que o DDT fez chegar à comissão e causou indisfarçável incómodo na direita. É que Ricardo Salgado tem-se visto execrado por essa mesma área política, que tanto o incensara, e parece não aceitar de bom grado ir para o fundo sozinho. E o que sabe sobre cavaco silva, paulo portas ou maria luís albuquerque poderá não se ficar pelas alusões às reuniões com eles havidas. Por esta altura pode-se imaginar o quanto alguns dos que ainda se sentem protegidos pelos  seus cargos, se devem sentir inquietos. É que a procissão ainda parece ir no adro...

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