quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Je suis Charlie!

Nos últimos três anos  habituei-me a ter como um dos mais estimulantes programas de debate político o «28 minutes», que  passa de segunda a sexta no canal franco-alemão ARTE. E, no último dia da semana, quando diversos assuntos costumam ser analisados no chamado «clube dos intelectuais» a apresentadora do programa, Elisabeth Quin, recorre igualmente a um caricaturista para ir enriquecendo o fio da conversa.
Quase sempre são jornalistas do «Charlie Hébdo» a cumprirem essa função, entre eles o seu diretor, Charb, um dos mais assíduos.
Na centena e meia de semanas mais recentes têm sido muitos os sorrisos, e até mesmo as gargalhadas, suscitadas pela capacidade em bastarem-lhe alguns traços e meia dúzia de palavras para, sibilinamente, comentar com imensa graça a realidade ou quem a comenta. Jean Quatremer, do «Libé», foi em estúdio dos mais visados pela sua pluma aguçada...
Foi assim até esta manhã já que, pelas nossas  dez e meia, dois assassinos quiseram-no calar, juntamente com outros grandes cartoonistas do mesmo jornal, entre eles Cabu e Wolinski, que admirava há tantos anos nos muitos jornais e revistas onde pude acompanhar os seus estilos inconfundíveis.
Tratando-se de um crime hediondo suscitado pelo fanatismo religioso, este acontecimento mais confirma a justeza do que há muito acredito: uma das piores doenças da humanidade é a de nela ainda existirem religiões. Em nome dos respetivos deuses temos cristãos, protestantes, muçulmanos, hindus, budistas e sectários de outros credos a matarem-se entre si e, pior ainda, a vitimarem quem nem sequer alinha por nenhum  deles. Porque acreditar num qualquer deus e por ele matar , mais do que dá razão a Lenine quando menosprezava  os sentimentos religiosos como ópio do povo impeditivo de se libertar das grilhetas da ignorância e da passividade perante a exploração.
Em «O Nome da Rosa» os crimes no mosteiro eram da autoria de um monge apostado em não permitir a divulgação da «Comédia» de Aristóteles. Eco mostrava que todos os fanáticos têm um ódio visceral ao que possa fazer rir.
Nos dias de hoje essa constatação mantém-se: o único crime de Charb e dos amigos com quem partilhava a criação de um jornal, que tanto prazer dava semanalmente aos seus leitores, era fazê-los pensar enquanto riam.
Os fanáticos querem-nos tirar tudo isso: a liberdade de expressão, de pensamento, até mesmo a de termos prazer em viver.
Não têm por isso mesmo qualquer perdão. Bárbaros são, como bárbaros assim morrerão... 

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