segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A atualidade política com banda sonora

Enquanto a situação não se clarifica proponho hoje um momento de descontração em que associo os vários momentos políticos vividos desde 4 de outubro a diversas peças de música clássica, que lhes servem de banda sonora.
Trata-se de um exercício diletante, mas que poderá dar-vos algum prazer...


Há uns anos, quando perguntaram a santana lopes qual a peça musical da sua preferência, a resposta deixou desconcertados os mais melómanos:
- “adoro ouvir os violinos de Chopin” !
Os mais bem intencionados ainda foram à procura se, além das conhecidíssimas obras para piano, o compositor polaco chegara a compor alguma obra para violinos, mas se era esse o caso, só santana lopes detinha o respetivo conhecimento “especializado”!
Essa estória nunca mais deixaria de figurar entre as mais ilustrativas do ADN da direita nacional, quase sempre ignorante e chico-esperta.
Na altura, ao ponderar qual seria a minha resposta, não teria pejo em responder com a 7ª de Beethoven, mas vou começar por pegar noutra 7ª, a de Chostakovich, numa espécie de exercício sinestésico a respeito do momento político atual.
Convidando quem me lê a experimentar o link do youtube, que nos remete para o 1º andamento desta última obra - sobretudo para o trecho que vai dos 5´55” até aos 20’ - temos a banda sonora para o ocorrido às oito horas do dia 4 de outubro, quando as sondagens à boca das urnas davam uma vitória inquestionável para a coligação PàF.
Chostakovich, que compusera a obra durante o cerco de Leninegrado, ilustrava assim o movimento imparável das hordas nazis na direção da grande cidade do Báltico. Socorreu-se para tal de uma ária bem conhecida de Franz Lehar, que adaptou para sugerir esse avanço teutónico.
Os surpreendidos eleitores anti-PàF, que se deparavam com tais previsões, só podiam inquietar-se com o que lhes surgia como inevitável: uma derrota, que os precipitaria mais aceleradamente para o abismo vislumbrado nos quatro anos anteriores.
Voltando ao paralelo com o ocorrido na Segunda Grande Guerra, iniciava-se então o cerco de Leninegrado. É que, apesar de não terem conseguido, efetivamente, a vitória, os nazis já a celebravam de antemão, apesar de não ser ainda esse o entendimento dos sitiados. O mesmo ocorreu com os convivas dos festejos do hotel Sana por um lado, e os do hotel Altis por outro.
Nas horas e dias seguintes, esse cerco só se apertou com os sitiantes a proclamarem a inevitabilidade da rendição de António Costa e do Partido Socialista para «respeitar» os usos e costumes verificados até ali. E até houve a singularidade de alguns seguristas imitarem, dentro do perímetro cercado, os impulsos canibalistas de uns quantos habitantes de Leninegrado entre 1941 e 1944.
A História ensina-nos, que ocorreu, então, uma novidade: apesar de, ainda não envolvidos diretamente na Guerra, os norte-americanos começaram a fornecer mantimentos e armamento aos sitiados a partir de Murmansk, aproveitando o rigor do inverno  e o consequente congelamento das águas do lago Ladoga. Aquela que seria uma coligação improvável algum tempo antes, tornou-se condição sine qua non, para alterar a equação das forças em presença.
No momento presente estamos a viver aquele momento crucial em que os habitantes de Leninegrado recusam capitular perante a ameaça dos exércitos de Jodl e encontram aliados com que não contavam. Assim ocorreu aos socialistas com as propostas do Bloco e da CDU para a possibilidade de uma convergência de interesses e de deputados na Assembleia da República.
O esforço laborioso de António Costa por estes dias merece outra banda sonora, a da referida ao início como sendo a peça musical da minha preferência: o 2º andamento da 7ª Sinfonia de Beethoven (ouvir a partir deste link).
Essa expressão de um minimal repetitivo avant la lettre, constitui a melhor tradução musical de um esforço que se inicia para levar por diante uma tarefa difícil, mas concretizada com sucesso graças a muita determinação. 
Prosseguindo com essa ligação sinestésica entre grandes composições musicais e a atualidade presente, verifica-se que a orquestra virou a pauta do avassalador movimento das hordas teutónicas e já dá expressão ao som, bem mais esperançoso, do que resulta das negociações de António Costa com os Partidos à esquerda do PS.
É claro que alguns ainda pretendem retomar a pauta anterior - e a bacorita do CDS bem se esforçou ontem por o fazer em sete minutos de histeria argumentativa num dos telejornais! - mas já são movimentos desajeitados de quem sente o concerto avançar noutra direção e adotar outra pauta.
Posso confessar-vos a que gostarei de ouvir como corolário de toda esta situação? Nada melhor do que o regresso a Chostakovich para, através do seu Piano Jazz Suite nº 2 (ouvir a partir deste link), dar expressão a um país já liberto do austericídio a que tem sido sujeito.
Precisamos de uma toada assim, calma e harmoniosa, que nos devolva a um quotidiano onde as angústias deem espaço para o nosso direito à felicidade.

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