terça-feira, 7 de junho de 2016

Quando é que a revolta é legítima?

Devemos obedecer a quem supostamente somos obrigados - aos pais, aos chefes, ao Estado - ou a desobediência é a condição natural do indivíduo?
E, quando perguntamos quando é legítima essa revolta não estaremos a pressupor que ela pode sê-lo, mas também a aceitar que nem sempre isso se passa?
Se ainda há dias via o filósofo Slavoj Zizek defender que hoje faz muito mais sentido formular perguntas do que dar respostas, também parece ser essa a postura de Raphaël Enthoven, que para a 200ª emissão do seu programa semanal na ARTE - a transmitir domingo de manhã - escolheu o tema da revolta e convidou para, com ele o abordar, uma aluna de liceu, Elsa Revcolevschi.
“ A verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo quanto pudermos no presente”. É com esta citação de Camus retirada do seu livro «O homem revoltado», que a abordagem se inicia, prosseguindo-se com mais esta, adicional: “A revolta prova assim, ser o verdadeiro movimento da vida, e que não podemos nega-la, sem que renunciemos a viver. O seu grito mais puro faz, em cada momento, levantar-se um Ser”.
O tema ganha particular acuidade nesta altura em que jovens parisienses tomaram a Praça da República nas sessões noturnas designadas por «Nuit Debout», onde se podem ver cartazes com esta pergunta: “Onde está a Democracia?”
O problema é esse tipo de palavra de ordem ser impreciso, quanto ao objetivo pretendido. Afinal essa questão pode justificar-se para uma mole imensa de gente, sem que ela conflua na mesma posição, quanto ao tipo de Democracia, que pretende. E esse é o maior problema de um movimento, que exprime uma sensação coletiva de revolta, mas não encontra respostas eficientes para dar satisfação às frustrações, que a fundamentam.
A ambiguidade dos propósitos subjacentes à manifestação deste descontentamento justificou que um filósofo de direita, Alain Finkielkraut, julgasse que seria bem recebido pelos manifestantes - porventura conhecedores do seu distante passado maoísta! - e acabasse por dali sair expulso.
O que se pode questionar nesse episódio incómodo é se não existe contradição entre o desejo de liberdade manifestado pelos que se assumem na condição de revoltados e a prática de exclusão relativamente a quem entendem como persona non grata naquele espaço de expressão.
Enthoven classifica o episódio de «paradoxal», mas não o entendo assim porque, como se viu em Portugal nestes últimos quatro anos, quem pôs em causa a própria Democracia foi a direita, que tem em Finkielkraut um dos seus principais gurus no Hexágono.
Por isso, muito embora Enthoven não avance para essa possibilidade, a verdadeira questão deveria ser esta: a revolta não fará só sentido contra o tipo de poder instalado por quem detém os meios de produção e de comunicação e como tal veda aos demais o acesso ao usufruto da propriedade e da liberdade de expressão?
Para Elsa Revcolevschi o que a presente fase da Nuit Debout representa é o início da reflexão sobre os motivos que fundamentam a revolta, no aprofundamento da qual esse magma telúrico suscitará a erupção estruturada da resposta para lhe dar um sentido prático. Está-se, pois, ainda na fase da resposta ao grito lançado por Stéphane Hessel em 2010 com o seu´«Indignez-vous» sem que se tenha chegado ainda à fase revolucionária.

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