sábado, 9 de julho de 2016

O sintoma que revela o tiroteio de Dallas

Esta semana, num daqueles documentários transmitidos pelos canais de notícias durante a madrugada para compor o vazio de nada de novo terem a acrescentar ao já por todos conhecido, pudemos ver como a extrema-direita norte-americana se anda a preparar para a explosão social de inaudita violência, que ela perspetiva num futuro próximo.
A morte dos polícias em Dallas como corolário ilógico dos crimes praticados sobre cidadãos negros nos dias anteriores - um na Louisiana, o outro no Minnesota - expressa bem a agudização por que passa a luta de classes em terras do tio Sam.
Podemos lamentar que a vingança de um autoproclamado justiceiro tenha incidido sobre um corpo policial, que melhor tem evoluído no sentido de lidar com as diferenças raciais e os movimentos de cidadãos. A própria manifestação contra as mortes dos dias anteriores tinha corrido de forma exemplar e com uma colaboração inexcedível entre a polícia e os organizadores do protesto. O que mostra os limites deste tipo de ações individuais: vitimam quem menos mereceria ser punido pelos crimes de eventuais parceiros corporativos. Tendo tantas cidades do sul dos Estados Unidos um registo tão comprometedor da prepotência policial contra cidadãos não brancos, porque decidiu o assassino realizar o seu ato naquela onde é conhecida uma atitude contrária a esses maus exemplos?
No documentário sobre as milícias patrióticas era evidente o racismo dos seus elementos. Preparados por antigos militares eles exercitam-se em cenários de guerra, que terão como inimigo preferencial o exército federal. Obama personifica o ódio de estimação, acusado de ter contrariado os «valores» previstos numa Constituição lida de forma parcial e apenas no que pareceria adequar-se aos seus ideais.
È absolutamente falaciosa a tese, felizmente cada vez menos popular, de já não se justificar a aplicação da leitura marxista da luta de classes,. Numa altura em que o capitalismo global dá sinais sérios do seu esgotamento, e enquanto não ocorrer a transição para a sua fase seguinte - a da transformação dos cidadãos em apáticos consumidores sem acesso a emprego, dotados de subsídios irrisórios, mas suficientes para manterem em funcionamento uma máquina produtiva assente em robôs e automatização! - verificar-se-á o já ocorrido noutras épocas transatas, quando essa alteração de paradigma se verificou (do capitalismo assente no comércio marítimo para o industrial, deste último para o de escala imperialista, etc): grandes contradições a nível local e transnacional passíveis de gerarem conflitos muito violentos.  O que de pior tem a espécie humana - o egoísmo, a xenofobia, o medo do que virá, etc. - tenderá a manifestar-se na forma absurda como a constatada tantas vezes nos últimos tempos. Com os refugiados e o terrorismo como meras manifestações de um fenómeno bem mais global.
É claro que toda a força exercida num sentido também gera a outra, a que força os acontecimentos em sentido contrário. Por isso temos fenómenos como o de Bernie Sanders nos EUA ou Jeremy Corbyn na Inglaterra (onde os analistas talvez se tenham mostrado excessivamente exagerados ao decretarem-lhe a iminente morte política). E também o governo português, por muito que no contexto europeu tarde em revelar-se como a andorinha que anuncia a Primavera.
Aos que acreditam que existem outros caminhos, que não os dos justiceiros inconsequentes ou dos fascistas de diversos matizes (desde os islâmicos aos do Ku Klux Klan passando pelos evangélicos, que estiveram por trás da destituição de Dilma), caberá participar nos esforços comandados pelos partidos e organizações, que creem possível um futuro bem mais auspicioso.

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