quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Ainda sobre as praxes e os refugiados

Os textos publicados neste blog têm felizmente muitas reações, a maior parte delas positivas, raras as que desprezo porque insultuosas, e algumas felizmente com críticas, sugestões e contestações bem fundamentadas de discordância, a merecerem-me a  melhor atenção.
Uma dessas leitoras frequentemente críticas ao que vou escrevendo é a Joana Maria-Lobo, que reagiu assim ao que escrevi sobre as praxes e o fardamento académico: “Concordo em parte, acabe-se com esse abuso que são as praxes sobretudo se violentas e humilhantes. Mas discordo quanto ao traje académico, ele existe em quase todo o lado, frequentei um pólo universitário inglês e aqui também existe traje académico. Há-o em quase todas as Universidades que conheço e o seu uso não prejudica nem humilha ninguém. Resumindo, praxe não, capa e batina aceitável, até porque só os usa quem quer. É um pouco violenta a apreciação de «palhaços», poderia estender-se a todos os campos onde é conveniente o uso de um uniforme, e a polícia, o exército, os juízes, os bombeiros passam nesse conceito a ser todos «palhaços».
Tenho de reconhecer que a utilização do termo «palhaços» pecou por excessiva, mas mantenho a aversão a tudo quanto constitui esse conceito de fardamento, mesmo tendo sido obrigado a usá-lo na tropa, nos navios de cruzeiro e, até nos anos em que dirigi uma empresa e era tacitamente exigível o uso de fato e gravata.
Como diz a Joana, existe a liberdade para o uso da batina e portanto, se admitimos o uso do burkini nas praias francesas, quem somos nós para pôr em causa o recurso a ela quando se é estudante universitário?
O problema que eu vejo, e sempre me causou a antipatia pelo fardamento tem a ver com o seu carácter normalizador, eliminando as diferenças, as características individuais. Ora ser jovem deve ser o contrário disso mesmo: aberto a todas as ideias e opiniões, sem vestir o hábito que, inevitavelmente, faz o monge.
Num texto muito conhecido o Umberto Eco lembrava que, de manhã, quando estamos perante o espelho a compor o nó da gravata, significa assumirmos de imediato uma opção de classe. Daí que sentisse como um dos mais libertadores efeitos da minha chegada à reforma, a colocação definitiva dos fatos e das gravatas nas zonas menos acessíveis dos guarda-fatos. Não é, aliás, por acaso que vemos nos grupos parlamentares a diferença entre a diversidade do vestuário nas esquerdas em contraponto com o formalismo conservador à direita, que espelha logo à partida as respetivas diferenças ideológicas.
Mas a Joana também reagiu ao texto sobre o paradoxo de vermos o fluxo de refugiados causar efeitos perversos no comportamento dos eleitorados, levando-os a votar cada vez mais nas direitas radicais. Diz  essa leitora: “Subordinemo-nos portanto à insubordinação, sejamos tolerantes com a intolerância, tomemos como amigos todo o género de terroristas e aceitemos a possibilidade de um atentado, contra os nossos costumes, as nossas vidas como sendo um ato normal. Interessante o tema, a sua negação conduz de imediato à xenofobia, aqui expressa na cor da pele, a sua aceitação está eivada do pecado da bipolarização, porque quem é a favor pertence, incontestavelmente a partidos extremistas. Não seria preferível antes de se aceitar tudo e todos, o separar-se o trigo do joio?
Em principio concordo que a solução ideal seria a análise detalhada de cada um dos candidatos para a entrada no espaço europeu, mas eles são tantos milhares, que é inexequível avançar para essa possibilidade. Por isso podemos estar condenados a essa bipolaridade se não avançarmos para soluções de esquerda, que nada tenham a ver com as reações de ódio e de medo das direitas. Por exemplo seria bom que as esquerdas tivessem força bastante para fazer da Declaração dos Direitos do Homem a Constituição Universal à conta da qual teriam de ser eficazmente combatidos os traficantes de armas - a começar pelos governos franceses, alemães ou italianos, que vendem tanto armamento para as guerras em curso - e as empresas, nomeadamente ligadas a interesses agroalimentares e mineiros - que garantem a sustentabilidade de ditaduras terríveis como as da Etiópia e da Eritreia donde provém muitos dos desgraçados, que vão morrendo afogados no Mediterrâneo.
Significava ostracizar e condenar o mais possível os governos saudita, qatari e outros, que financiam direta ou indiretamente os jiadistas, que atuam em cenários de guerra asiáticos e africanos. E impor como regra a incompatibilidade dos Estados com as religiões, ilegalizando internacionalmente os do Irão ou da Turquia onde o poder dos clérigos ou da sharia ganham estatuto de lei.
Existem, pois, soluções para acabar com este paradoxo, mas as esquerdas têm de assumir uma capacidade de persuasão muito maior para impor o respeito dos Direitos Humanos como critério fundamental do ajuizamento da legitimidade dos governos deste planeta.


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