sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A falência da esquerda francesa e os ataques à laicidade do Estado

1. O projeto da direita, quando esteve no governo, passava por reduzir os custos fiscais e de segurança social para as empresas, compensando-os com mais uma forte tributação dos trabalhadores por conta de outrem.
Na perspetiva de Lobo Xavier e outras luminárias da direita, essa redução nos custos de produção levaria os empresários a investirem o excedente de lucros na criação de mais empregos, entrando-se assim numa espécie de espiral de crescimento capaz de transformar o país numa Singapura à beira do Atlântico plantado.
Que esse modelo só fazia sentido em tais crânios, constata-o o economista francês Daniel Cohen a respeito das políticas similares implementadas durante a presidência de François Hollande e cujos resultados estão à vista com a mais que certa derrota da esquerda nas próximas eleições. Hoje os números demonstram que o chamado projeto CICE e o pacto de responsabilidade a ele associado, reduziu os rendimentos das famílias e teve efeito nulo no crescimento do emprego.
Na prática, os socialistas franceses pagam os custos de terem querido vestir uma capa - a do neoliberalismo austeritário - que deveriam ter rejeitado como princípio e os fez isolarem-se do patronato a quem pretenderam despudoradamente agradar e dos empregados da função pública e das empresas privadas, que se sentiram tão mal tratados como se tivessem prosseguido sob a presidência Sarkozy.
Esperemos, pois, que essa eleição presidencial possibilite uma regeneração do Partido Socialista traduzido no regresso aos seus princípios identitários. Hollande, Valls e seus cúmplices merecem esquecimento por todo o capital de esperança, que souberam destruir.
2. Felizmente o debate sobre o islamismo tem escassa relevância na nossa sociedade, ao contrário do que acontece em França com a segunda e a terceira geração de descendentes de emigrantes vindos das antigas colónias e cujo elo com a religião se faz, sobretudo, em três vertentes distintas: os mais cultos, que frequentam a universidade, privam com os Irmãos Muçulmanos; os salafistas provém das classes populares, onde o acesso ao emprego é escasso e as habilitações acadêmicas muito básicas. E há que ainda contar com quantos enveredaram pelo terrorismo e se alistaram no Daesh.
Mas, se em Portugal, não contamos com uma comunidade muçulmana que, em número e em influência, ponha em causa o laicismo da Constituição, devemos estar atentos à sua evolução, porque o islamismo é cada vez mais indissociável de um ascendente fascismo, que urge combater com determinação.
Nesse sentido, no debate atualmente em curso entre Gilles Kepel e Olivier Todd, adoto indubitavelmente os argumentos do primeiro por muito que eles sejam apressadamente qualificados de islamofóbicos.
É inaceitável que ainda haja quem fundamente posições políticas, sociais e de meros usos e costumes com base nas suas supostas crenças religiosas. Os rituais a estas ligados devem estar cingidos ao espaço doméstico de quem as professa, sem extravasarem para o espaço público.
Obviamente que casos como os do burkini devem ser olhados com sensatez e alguma complacência até ao momento em que surgem como provocação à sociedade laica. Condenando a obrigatoriedade das mulheres se despirem desse vestuário, não deixo de considerar justificável a sua expulsão do espaço público.
Kepel tem razão quando constata a habilidade desse islamismo militante ao conseguir, em poucos meses, desativar o veemente protesto contra os assassinatos dos jornalistas do «Charlie Hebdo» e dar aos muçulmanos o papel de vítimas da intolerância francesa.
A realidade é que a Democracia não pode ser apenas a da igualdade entre quem professa crenças diferentes, porque já se viu como, no caso das mulheres, isso comporta uma enormíssima desigualdade de direitos. E entre essas duas desigualdades, a segunda prevalecerá sempre sobre a primeira, ou não sejam as religiões formas execráveis de administrar ópio aos povos.
Morgan Baudoin

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