domingo, 6 de novembro de 2016

O que se deseja e o que se pode fazer

A expressão de Pedro Marques  Lopes no «Eixo do Mal» faz todo o sentido: se o orçamento ainda reflete algo da TINA imposta pelas instituições europeias, também revela muito mais o surgimento de um TINO, cujo significado é o de não haver oposição digna desse nome (“There is no opposition”).
É um facto que os juros da dívida são um peso excessivo a serem obrigatoriamente renegociados, tão só as circunstâncias europeias o possibilitem, mormente com os eventuais aliados conseguidos á custa de porfiado trabalho diplomático. Mas as direitas nada têm a opor de substantivo a políticas que, se ainda incapazes de garantirem o almejado crescimento, revelam-se socialmente mais justas do que as implementadas nos últimos anos.
Por isso mesmo deixou de se ouvir uma ladainha muito comum nos comentadores e que se traduzia na fórmula de já não existir direita nem esquerda, porque as propostas de um e outro lado seriam comuns. Este governo veio desmenti-los mostrando que a diferença está entre ter um projeto político bem definido e a executar em fases sucessivas, e  quem teve por único programa o mero exercício do poder, nem que para tal fizesse pagar esse custo aos funcionários públicos e aos reformados enquanto beneficiava os ricos, cada vez mais ricos.
Uma outra mistificação, que não tardará a clarificar-se muito em breve é a de não crescermos economicamente. E há quem se espante como é possível aumentar o volume de emprego sem que esse indicador o detete.
Quem percebe um mínimo de gestão sabe que um investimento não se mede imediatamente em resultados económicos. Ao contratar novos colaboradores, existe um hiato entre a sua adaptação ao que deles se pretende e o efetivo produto resultante do seu trabalho. Por isso mesmo um dos motivos para me sentir confiante quanto à possibilidade de, depois de ter pecado por excesso, Centeno estar a revelar justificada prudência na previsão de 1,5% para o próximo ano é o desse emprego prenunciar um efeito muito mais positivo na respetiva execução orçamental. Por esta altura, em 2017, se verá que,  agora a direita andou a fugir á sua discussão como cão por vinha vindimada, ainda mais dificuldade encontrará em dizer algo de concreto perante a evidência de indicadores bem mais risonhos. Assim o Brexit, as eleições americanas ou o referendo em Itália não venham criar entropias indesejáveis.
A discussão, ou a falta dela, na apresentação do orçamento para 2017, foi desviada insensatamente para a da nova Administração da Caixa Geral de Depósitos.
Sobre esse assunto a minha posição foi clara desde início, apesar de muito contestada por quem se deixou manipular por quem pretendia fazer dela assunto mais importante do que quanto estava verdadeiramente em discussão: a sobrevivência ou não do banco na esfera pública.
Desde início que as direitas viram na exploração demagógica dos vencimentos e da apresentação das declarações de rendimentos a oportunidade para desfazerem o que laboriosamente António Costa e Mário Centeno tinham conseguido das instituições europeias: a sua aceitação da recapitalização e reestruturação do Banco sem que contassem para o colete de forças do défice.
Bloquistas, comunistas e muitos socialistas foram vítimas fáceis do logro em que a direita os conseguiu atrair, havendo quem se manifestasse indisposto com a condição de refém de António Costa em relação a António Domingues.
Mas, não sejamos ingénuos: alguma vez o BCE e a Comissão Europeia aceitariam esse pacote sem nele estar incluída uma administração em cujas competências confiassem? Poderiam permitir um exemplo de remunerações que constituiria um modelo inaceitável para os atuais paradigmas europeus?
No exercício do poder democrático não se faz o que se deseja, mas o que se pode. E foi triste constatar como tanta gente, inequivocamente de esquerda, se deixou atrair a uma armadilha, que só beneficia as direitas. Sobretudo porque se mantiveram calados relativamente a um Sérgio Monteiro cuja nomeação e remuneração é muito mais injustificada! 
georgia o'keeffe

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