segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O que temos a aprender com Zygmund Bauman (2)

Em texto anterior já começámos a abordar o pensamento do sociólogo de origem polaca, falecido em 9 de janeiro transato. Conhecido pela preocupação com a falta de empenho e de disponibilidade do homem de hoje em conhecer o Outro, seja ele refugiado, seja apenas diferente no aspeto, na cor, nas crenças ou nos costumes, ele tem em «Amor Líquido» um dos seus mais importantes ensaios que, embora escrito há cerca de trinta anos, continua a ser de surpreendente atualidade.
Apesar de ver com preocupação o Estado a demitir-se de muitas das suas principais funções, que subcontrata a interesses privados, Bauman não exclui a possibilidade de responder ao capitalismo crepuscular em que vivemos através de uma Democracia global. A seu ver tratar-se-á de um equivalente global das invenções organizativas dos nossos antepassados e capaz de superar a incapacidade dos atuais Estados-nações em defenderem por si mesmos essa Democracia moderna, assente num parlamento e numa jurisprudência abrangente.
Convirá que reconheçamos o quanto o conceito de Democracia evoluiu ao longo da História desde que Aristóteles o inventou. Na Grécia Antiga ela significava a discussão entre pessoas num mercado até chegarem a uma resolução. Não o debate de ideias e a votação, que hoje a define  após a criação e utilização intensiva de novos instrumentos e conceitos associados. Daí que essa futura Democracia global nada tenha a ver com as instituições democráticas hoje conhecidas e formatadas às necessidades do Estado-nação.
Há aqui semelhanças com os que defendiam há um século a futilidade de se construir uma sociedade comunista num só Estado, porque este seria suficientemente ameaçado pelos que o rodeassem para se transformar numa caricatura do que projetaria à partida constituir. Como se confirmou tragicamente com a evolução da Revolução bolchevique para o sistema totalitário, que se lhe seguiria.
Igualmente surge refletido no pensamento de Bauman a tese marxista de, nas suas fases evolutivas, as sociedades corresponderem a meios de produção, ferramentas e instrumentos completamente diferentes dos predominantes na fase anterior.
Bauman recorda que as conceções de Castoriadis, segundo o qual numa sociedade onde impere a tirania o individuo não consegue existir enquanto tal, já peca por datada porque pensada para a época específica em que foi emitida e para o totalitarismo da Europa Oriental de então.
Atualmente o perigo já não vem da esfera pública, mas da privada e da do indivíduo. Por exemplo dos talk-shows televisivos, que poderiam assemelhar-se à antiga Ágora dos gregos, mas onde não se discute o que verdadeiramente nos deveria interessar e partilhar - a abolição e correção de tudo quanto cria problemas na sociedade atual e condiciona o bem estar, que ela deveria propiciar. Pelo contrário assistimos a acesos palavreados sobre problemas individuais muito específicos, alguns deles surpreendentemente íntimos.
O sociólogo francês Ehrenberg  defendeu que a revolução pós-moderna começou numa quarta-feira à noite dos anos 80, quando uma tal Viviane confessou, perante seis milhões de espectadores, nunca ter tido um orgasmo na vida por causa da ejaculação precoce do conjugue. Desde então o espaço público passou a ser invadido por temas até então remetidos à privacidade, só contados ao padre no confessionário se se fosse católico, ou aos amigos muito chegados se com eles se chegasse a tal nível de confiança. Nunca se pensaria que tais confissões se viessem destinar aleatoriamente a uma tão vasta multidão de eventuais espectadores.
É isso que levou Bauman a concluir que a Ágora deixou de estar controlada pelos regimes totalitários, para o serem pelas coisas anteriormente tidas como privadas e que alienam os cidadãos do que verdadeiramente teriam todo o interesse em se focalizarem. 

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