segunda-feira, 20 de março de 2017

A independência que o poder judicial não tem sabido merecer

Entre mim e Jaime Santos subsiste divergência antiga a respeito da Operação Marquês e do que ela tem significado para a imagem do antigo primeiro-ministro e do próprio Partido Socialista.
Em relação ao post desta madrugada ele comenta através do seguinte texto:
“Não percebo bem a crítica a Sousa Tavares. Nesta matéria do processo de José Sócrates, ele tem consistentemente atacado os sucessivos adiamentos e violações do Segredo de Justiça. Parece-me antes o meu caro que confunde esta investigação com um mero ataque ao PS.
Já disse e repeti isto várias vezes. O julgamento político de José Sócrates foi feito em 2011 e mau grado a eleição de Passos e de Portas, ele não foi brilhante para o ex-PM.
O julgamento moral cabe a cada um, mas pela minha parte, considero que Sócrates não tem uma perna para se segurar, depois das mentiras à imprensa sobre a origem do dinheiro e dos contornos pouco claros de um empréstimo informal que não envolveu bancos, letras de crédito ou quaisquer documentos escritos.
O comportamento de Sócrates deixou-o naturalmente à mercê de suspeitas e de uma investigação que qualquer sistema de Justiça teria necessariamente de conduzir, tratando-se de uma pessoa politicamente exposta.
Pior, Sócrates colocou em cheque todos os que o defenderam e trabalharam com ele e mesmo pessoas da sua intimidade. João Miguel Tavares já esfrega as mãos em preparação para o ataque ao PS que virá depois da mais que provável acusação.
Falta, como bem disse MST, o julgamento judicial (se houver acusação e esta for confirmada depois de uma abertura da instrução), que cabe aos tribunais e que é completamente independente dos dois julgamentos que referi acima.
Existe infelizmente algo em comum entre os detratores incondicionais de Sócrates e os seus fãs incondicionais, que é o de quererem misturar tudo. Os primeiros porque já o condenaram antes mesmo do julgamento e sequer do conhecimento completo das provas e da acusação e que, seja ele culpado ou inocente dos crimes de que é suspeito, desejam que ele sofra na cadeia pela sua condução da política nacional e que por isso não se importam que princípios básicos do Estado de Direito sejam violados. Os segundos, porque parece que assim é mais fácil acreditar que tudo isto não é mais que uma cabala contra o PS…”
Na realidade, entre mim e Jaime Santos não existem grandes divergências  quanto ao tipo de sociedade, que ambos defendemos, muito embora eu teime no socialismo inequivocamente marxista e ele na social-democracia. No entanto move-nos o mesmo desejo de contribuirmos para uma sociedade livre, justa e, tanto quanto possível, igualitária.
Já quanto ao antigo primeiro-ministro a divergência é maior, porque, independentemente dos tais juízos morais que uns fazem e outros não (e mesmo reconhecendo terem existido posições que nele me desagradaram!) não duvido da tese da cabala contra o Partido Socialista. Seja porque os agentes da Justiça deixaram-se inebriar pela possibilidade de virem a ser o poder mais forte neste século XXI (foi-o proclamado por um dos seus principais dirigentes, Rui Cardoso), seja por terem constatado no governo de José Sócrates a vontade política de cercear-lhes algumas das mais obscenas mordomias, a intenção foi clara em convergirem forças com quem manda nos jornais (e sobretudo nos pasquins) para tudo fazerem no sentido de perdurarem as direitas no poder enquanto tal fosse possível.
Mas, se olharmos mais para trás, ainda poderemos encontrar prequelas desse intento conspirativo no fim do guterrismo, quando o caso da pedofilia na Casa Pia deu injustamente cabo do percurso político de um dos mais competentes e talentosos dirigentes socialistas de então, Paulo Pedroso, e chegou a enlamear outros de irrepreensível probidade, como chegou a acontecer com o atual presidente da Assembleia da República.
O que a Operação Marquês tem demonstrado é  uma Justiça suficientemente lenta a investigar os casos que envolvem políticos das direitas (Portas com os submarinos, os cavaquistas com o BPN) para que os indícios de corrupção atinjam o prazo de prescrição, mas assanhada com quem é socialista.
Quer isto dizer que José Sócrates ou Armando Vara que a ele é comummente associado, estão inocentes?  Até que nos provem o contrário sim, pois é esse o princípio de presunção de inocência, que urgiria ser respeitado.
Mas o caso é ainda mais grave quando nem sequer  sobra a mínima dúvida sobre quem passa para os jornais os conteúdos das peças processuais como forma de assegurar o julgamento em praça pública sem o concretizarem na barra dos tribunais. A violação constante do segredo de Justiça é crime, que Joana Marques Vidal não quis investigar nem sancionar, sabendo como estilhaçaria assim todo o edifício pútrido, que ainda lidera.
Não podemos é aceitar um país onde se prenda para investigar, se prometam sucessivos prazos, que nunca se chegarão a cumprir, e se viole ostensivamente o direito ao bom nome sem qualquer prova que o ponha em causa. Ademais com custos, que seria bom conhecermos: quantos milhões de euros já nos custaram as investigações da equipa de Rosário Teixeira ao longo destes anos? Pode a Justiça suportar um tal desperdício de recursos?
Pessoalmente acredito que somos muitos a desejar que o poder executivo e o legislativo ponham na ordem o judicial, que se tem revelado incapaz de merecer a independência, que lhe deveríamos reconhecer.


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