terça-feira, 9 de maio de 2017

Complacências, absurdos e esquecimentos históricos

1. Uma das explicações para o sucesso recente dos candidatos de extrema-direita em sucessivas eleições tem sido a complacência, se não mesmo cumplicidade, de muitos jornalistas com as suas mentiras e deturpações.
Ontem no «Diário de Notícias», Ferreira Fernandes lembrava como, há quinze dias, o universo mediático francês foi sacudido pelo «escândalo» Macron. Em causa o ter ido comemorar a passagem à segunda volta no La Rotonde como se, como símbolo, o café por onde andaram Picasso e Hemingway pudesse assemelhar-se ao sofisticado «Fouquet’s», outrora utilizado por Sarkozy No entretanto calavam o facto de, na mesma altura, Marine Le Pen estar a festejar no Chalet du Lac, outrora palácio de verão de Napoleão III.
A cintura de contenção do fascismo também passa - e de que maneira! - pelo jornalismo cuja diferenciação deverá assentar na credibilidade que as redes sociais nem sempre dão, infetadas que estão pelos torpes intentos dos inimigos da Liberdade.
2. No mesmo jornal Fernanda Câncio aborda o fenómeno Fátima como algo de justificado interesse sociológico para o mais empedernido dos ateus, embora não escamoteie “a obscenidade de muito do que ali se passa - do comércio desbragado ao exibicionismo pornográfico e sua incitação institucional (na construção do «joelhómetro», por exemplo), da deliberada exploração da crendice e desespero à inadmissível confusão entre Estado e Igreja Católica patente por exemplo na presença de militares na escolta da imagem”.
A quem olha para tudo aquilo com os olhos desfiltrados dos condicionamentos de uma educação, desde muito cedo apostada em impor os dogmas da fé, causa espanto a lógica absurda, que preside a todo aquele ritual. E a jornalista lembra o quão contraditória é a questão dos milagres santificadores de miúdos  demasiado impressionáveis pelo ambiente em que viviam: como é possível a Igreja glorificar a «cura» de um entre milhares de crentes, que pedem o favor para si, quando a enorme maioria nunca se vê com ele contemplado? Será por considerar que os outros não merecem? Que ainda mais devem porfiar na crença e lavarem-se dos remanescentes pecados? Como diz Fernanda Câncio é “difícil entender que tanta gente pareça comprazer-se na existência de entes com superpoderes que só usam por capricho, numa lotaria tão sem critério como o do acaso”.
Enquanto o negócio prospera a Igreja tem em Fátima o seu cofre-forte, alimentando-se das parcas poupanças de muitos, que mal têm com que sobreviver.
3. Uma referência final para o texto de Nicolau Santos no «Expresso» de ontem em que sintetiza com bastante clareza uma das principais características deste capitalismo neoliberal, que o novo presidente francês quer redourar,  como se fosse possível impedir um astro a cair para o crepuscular desaparecimento no fio do horizonte de voltar a erguer-se, a recuar e a brilhar com a antiga intensidade sobre os céus dos felizes burgueses dos Trinta Gloriosos Anos.
Hoje, ao contrário das empresas, os trabalhadores por conta de outrem não podem pagar impostos em países com regimes fiscais mais favoráveis a não ser que para lá emigrassem. “Assim, não só as empresas pagam menos impostos, como isso obriga dos Estados, que ficam com menos receita fiscal, a sobrecarregar os cidadãos com mais e mais impostos.”
A globalização dos lucros não teve como contrapartida a dos direitos mais avançados dos trabalhadores ocidentais. Pelo contrário! E é essa premissa, que justifica a recuperação de uma velha regra marxista: a da necessidade de união entre os explorados de todos os países. O que contradiz o discurso soberanista de algumas esquerdas esquecidas dos fracassos históricos de, em muitas alturas, terem alinhado, se não mesmo participado ativamente nos discursos  nacionalistas das suas burguesias com as trágicas consequências que as Grandes Guerras revelaram.

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