domingo, 30 de julho de 2017

As lágrimas de crocodilo dos que lamentam a triste sina do jornalismo

O regresso do futebol tende a reduzir a importância conferida aos fogos, que foram  o preguiçoso pretexto das redações dos telejornais para preencherem o vazio típico do verão. Semanas a fio os responsáveis editoriais mandaram os repórteres para as aldeias do interior com o propósito de arranjarem coloridos testemunhos do sofrimento das vítimas julgando-se assim capazes de corresponderem à compita pelas audiências.
A tragédia de Pedrógão Grande foi-lhes uma bênção. Que importavam os mortos se proporcionavam peças informativas tão recheadas do que as escolas de comunicação social lhes enchera a cabeça como imprescindíveis a uma certa definição de «bom jornalismo»?
Drama! Horror! - quantas vezes nos lembrámos de um seu pioneiro, que acabaria por levar a megalomania a estampar-se violentamente em suspeitos negócios?
Porque o que é demais enjoa, as câmaras já se andam a deslocar noutras direções. E os primeiros jogos da época aí estão para proporcionar infindáveis horas de discussão sobre se o treinador A deveria optar por esta ou aquela tática, ou se deveria meter o jogador B numa qualquer posição do terreno em vez de outra onde seria supostamente mais competente.
Na verdade o que daria muito jeito a tal gente era uma outra tragédia com vítimas inocentes à mistura: outro desabamento de arribas no Algarve, um descarrilamento, uma aterragem dramática num aeroporto por causa de um drone. Algo que servisse para reerguer a lengalenga sobre a inépcia do governo, que nada faz para prevenir novas tragédias. Algo que, suculentamente, dê a Passos Coelho o ensejo de exigir novas comissões de inquérito e a Assunção Cristas o pretexto para pedir mais demissões de ministros.
Se há conclusão a retirar do sucedido nestas últimas semanas é a do grau zero de credibilidade dos jornais, das rádios e televisões, mesmo das tidas como de referência.
Bem podem alguns jornalistas clamar pelo ódio público à sua classe, que muito andaram a fazer para que tal sucedesse. Porque tão ciosos foram a querer servir de vozes dos seus donos, que a contínua intenção de desgastarem o governo, saiu-lhes pela culatra.
Se as tiragens dos jornais descem e os canais temáticos ou de filmes do cabo ganham espaço aos das notícias é por leitores e espectadores estarem fartos de ver judites a falar com cadáveres como cenário ou a entrevistar vigaristas como se tivessem a mínima credibilidade para lançarem anátemas contra quem nos vai assegurando crescimento na economia, redução do número de desempregados e uma vida menos complicada para reformados e pensionistas.
Por esta altura não deve ser só nos quartéis das direitas - na Lapa ou no Largo do Caldas - que haverá quem dê tratos à cabeça para perceber os labirintos intrincados em que se enclausurou e se reflete nas sondagens. Se existir alguma lucidez nas redações das televisões e dos jornais talvez haja quem pondere se a salvação do ameaçado jornalismo não está precisamente em devolver-lhe os critérios deontológicos ultimamente sujeitos a tão violentos tratos de polé.

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