quarta-feira, 29 de agosto de 2012

FILME: «Apollonide - Memórias de Um Bordel» de Bertrand Bonello (2011)



Num filme como «L’Appollonide» estamos perante um dilema quanto aos seus efeitos nos espectadores. Será que lhe cabe apenas a função de satisfazer uma inconfessável curiosidade a respeito do mundo singular dos bordéis parisienses na viragem do século XIX para o século XX? Ou comporta em si uma outra ambição para a qual se poderá ajuizá-lo de melhor qualidade do que parece à primeira vista, desculpando-se-lhe até um certo tédio inerente à sua visão?
Se o tema poderia suscitar um erotismo, que predispusesse a abordagem para a primeira daquelas possibilidades, a verdade é que ele está quase ausente por muito que a nudez das atrizes se explicite com frequência no ecrã. Acaba por prevalecer uma cuidada reprodução do ambiente e do guarda-roupa da época sem esquecer as referências ao ambiente cultural  em que esses espaços até serviam de motivo de inspiração aos pintores do impressionismo.
Mas a sexualidade é aqui sempre fonte de desprazer: uma das prostitutas chega a dizer que, tão só dali se conseguisse libertar, e nunca mais faria amor na vida. Porque o lupanar aonde a aristocracia e a alta burguesia busca prazer mantém todas aquelas mulheres acorrentadas a um quotidiano asfixiante donde qualquer possibilidade de satisfação está excluída. Até porque todas elas estão sujeitas às dividas contraídas junto da «madame» e que jamais se conseguem ressarcir por muitos clientes, que se recebam.
Há também uma segregação óbvia das classes: todas as raparigas provém dos estratos sociais mais desfavorecidos da época e têm por única função darem satisfação aos muitos fantasmas masculinos, que por ali buscam realização. Estamos, porém, longe da perversidade irónica de um Buñuel, que tratava desse imaginário masculino com uma subtileza, que aqui se revela tão só demonstrativa. Nomeadamente das  doenças venéreas ou das gravidezes passíveis de as expulsar dali, ou pior ainda, as agressões tendentes a desfigurá-las. É assim que Madeleine, a Judia, acabará convertida na «Mulher que Ri» para gáudio de clientes mais «exigentes», que se excitam com a utilização do corpo do que designam como «monstro».
Se a sociedade à volta não fica excluída da intriga (o caso Dreyfus, a inauguração do metro) quase todas as cenas se cingem ao espaço fechado do bordel, só surgindo como breve momento de liberdade o passeio delas a um parque.
A viragem do século irá, porém, acabar com este tipo de instituições, quando os senhorios passam a exigir rendas absurdas e o poder político se alheia da sua sobrevivência, já que até está mais interessado em passar por defensor de uma forma hipócrita de moralidade pública. O que obriga as prostitutas a irem para a rua aonde as condições de sobrevivência apenas pioram, como se conclui na cena final em que se cruzam as cenas do passado com as do presente.
Em suma, embora não se tratando de um filme propriamente radical na defesa desse pressuposto, «L’Appollonide» acaba por constituir uma denúncia da violência exercida sobre as mulheres para exclusiva satisfação dos prazeres masculinos… sem escamotear as ambiguidades para que pode ser arrastado.

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