terça-feira, 21 de agosto de 2012

Filme: «Design for Living» de Ernst Lubitsch (1933)



O fascínio que as idas à Cinemateca pressupõe é a possibilidade de descobrir verdadeiras surpresas em obras que, apressadamente, alguns pretenderiam ver remetidas para o  baú poeirento das recordações.
Entre essas descobertas podemos concluir, por exemplo, que, em termos de valores morais, os códigos de censura nem sempre conseguiam evitar a emergência de conceitos surpreendentes para a época por muito que, neste caso presente, a história até se baseasse na vida concreta de uns amigos do seu autor.
De facto esta comédia sofisticada de Ernst Lubitsch, datada de 1933, tinha por matéria-prima uma saborosa comédia de Noel Coward, que decidira homenagear a forma singular como um casal próximo encarava o respetivo casamento. Nela, Frederic March e Gary Cooper são dois artistas norte-americanos sem vintém, a sobreviverem de expedientes nas colinas de Montmartre, quando irrompe nas suas vidas a voluntariosa Miriam Hopkins, que se apaixona por ambos. Resultado: à revelia de cada um deles, dorme com ambos.
Vem, então, ao de cima o preconceito da fidelidade, que os machos de serviço tanto prezam e, como querem dar tempo a ela para decidir-se por um deles, acabam por decidir um acordo de cavalheiros em que a relação triangular prosseguirá numa lógica de amizade sem cama de permeio.
Tudo estaria certo para os dois amigos - que julgavam assim preservar a cumplicidade anterior á chegada de Gilda às suas vidas - quando essa lógica se volta do avesso por iniciativa dela. É que o acordo fora precisamente de cavalheiros: ora, não se vendo ela nessa caracterização não se sente na obrigação de o respeitar. Resultado: novamente à revelia de ambos volta a deitar-se com ambos separadamente.
Essa situação acaba por ser demasiado heterodoxa, sobretudo para Curtis (Gary Cooper) que até chegara a assumir a união de facto com ela. E, sentindo-se traído, expulsa-a de casa.
Durante uns tempos temos então Gilda casada com o banalíssimo Max (o sempre excelente Edward Everett Horton), finalmente satisfeito por, na sua expressão, «poder molhar o pincel!» e cumprindo a função social, que se espera de uma dama da alta sociedade. O que não deixa de a aborrecer.
Valer-lhe-á então a libertação propiciada pelos seus dois amigos parisienses, que a vêm resgatar e devolver ao projeto por ela mais acarinhado: ser mulher para os dois sem quaisquer restrições.
O tema da poligamia, ainda por cima feminina, não podia deixar de ser subversiva para essa década de 30 em que as ligas da moral e dos bons costumes até exigiam reduzir ao mínimo a duração dos beijos no ecrã. Mas Lubitsch filmou com a sua habitual elegância, feita de alusões implícitas e de piscadelas de olho ao espectador de forma que «Design for Living» conseguiu superar as barreiras do preconceito e manter, oitenta anos depois, um inegável encanto...

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