segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Filme: «Total Recall» de Len Wiseman (2012)



Está quase a estrear-se nos ecrãs europeus a remake de «Total Recall«, filme realizado há vinte e dois anos por Paul Verhoeven com Arnold Schwarzenegger no papel principal.
Desta feita a realização é de Len Wiseman naquela que é a décima primeira adaptação cinematográfica da obra de Philip K. Dick, escritor de ficção científica adulado por milhões de admiradores, mas que era quase um desconhecido quando morreu em 1982. E já outras adaptações se anunciam, mormente um excitante «Ubik» confiado à direção de Michael Gondry.
Aquele que é tido como o principal autor de ficção científica do século XX, nasceu em Chicago em 1928, e assinou meia centena de romances, uma centena de novelas, oito volumes de cartas e ensaios e um diário íntimo, que lhe servia de laboratório literário e de registo das suas experiências metafísicas.
Os principais estudiosos da sua obra assinalam a presença fantasmática da sua irmã gémea Jane na obra, que morrera semanas depois do nascimento de ambos. Ou as suas famosas experiências alucinatórias de 1974, provocadas por medicamentos que o teriam posto em contacto com um a sua vida anterior em pleno Império Romano.
Figura tardia da contracultura, a meio caminho entre William Burroughs e Thomas Pynchon, reunindo todos os seus atributos (droga, crises sentimentais e financeiras, perseguição pelo FBI, entusiasmos místicos), Dick faz parte daquele conjunto de autores  cujo nome se tornou um adjetivo. Como Borges ou como Kafka.
Existe um sentimento dickensiano da existência, baseado em dúvidas quanto à natureza do real, a busca da bondade, a intuição do divino nas piores das manifestações consumistas e ironia sobre o alcance de tais atitudes.
Ele costumava dizer no fim da vida que será preciso matarem-me e colcoarem um manequim com a minha efígie, com um sorriso aberto no rosto, para me convencerem a ir até Hollywood. Mas não deixou de apreciar a adaptação de Ridley Scott no filme «Blade Runner».
Mas porque se rodam tantos filmes de Dick? Os seus temas são resolutamente modernos, indica o realizador e argumentista Jêrome Boivin. Todas as suas interrogações sobre as manipulações da realidade continuam a ser atuais.
Gérard Klein, tradutor para francês do primeiro romance de Dick, confirma essa ideia: o interesse que ele provoca nos dias de hoje provém de dois temas marcantes da sua obra: uma conceção paranoica do mundo e a cultura da incerteza. Ele transmite uma notável incerteza, uma angústia impregnada no espírito do tempo. Ademais, as suas histórias são tranpostas facilmente para um futuro próximo, que não obriga a grande desenquadramento.
Para Etienne Barillier o escritor não descreve detalhadamente o futuro, mas as inquietações por ele levantadas são universais: a perda de identidade, o estatuto de humano, a falsificação da realidade.
Existe outra razão que, segundo Jérôme Boivin, suscita o interesse cinematográfico pela obra de Dick: os seus protagonistas, que são muito interessantes po, frequentemente, se tratarem de artistas precários atraídos por mulheres destrutivas.
Há um aspeto interessante com as adaptações dos livros de Philip K. Dick: apenas quatro dos onze filmes baseados nos seus livros são baseados em romances, já que os demais colhem inspiração nas novelas. Noemadamente este «Total Recall» ou o «Relatório Minoritário».
Explica Boivin: Os seus romances são muito ricos. Partem numa direção, bifurcam para outra, perdem-se em universos paralelos. Demasiado confusos para os padrões de Hollywood. Os argumentistas têm de fazer escolhas e esquecem as suas fulgurâncias metafísicas. Daí que as novelas acabem por serem mais fáceis de adaptar...
Dick teria, pois, conseguido vingar na fábrica de sonhos, porque também era um mestre das histórias curtas, das profecias paranoicas e do humanismo.
Para o escritor argentino Rodrigo Frésan o que dele ainda não conseguiu ver transposto para a tela foi a atmosfera de imperfeição, o fracasso triunfal, essa forma de ver o mundo enquanto veículo em derrapagem.
 (baseado em artigo de Serge Lehamn no «Le Monde»)

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