quinta-feira, 25 de outubro de 2012

FILME: “A Viagem” de Michael Winterbottom



Atirado assim sem pré-aviso para a nossa frente, “ A Viagem” de Michael Winterbottom faz quase figura de objeto alienígena na cinefilia disponível ao nosso alcance, facilmente formatável em função de géneros, de autores ou de atores.
Se o realizador assinou alguns filmes interessantes, que ficaram na nossa memória (dos quais o mais singular terá sido o da dramática experiência de dois rapazes afegãos, que partem da sua terra para se virem estabelecer em Inglaterra e sofrem todas as vicissitudes previsíveis nesse tipo de odisseia, que acabam por vitimar um deles!), os atores são-nos quase desconhecidos muito embora tenham algum prestígio nas terras de Sua Majestade. Devido nomeadamente à série televisiva de que aqui é feita a versão para cinema.
A ideia de partida é curiosa: Steve Coogan e Rob Brydon são contratados pela revista The Observer para um périplo gastronómico pela provincia com o objetivo de trazerem uma reportagem relativa às suas vivências.
Enquanto Steve vive o drama de chegar aos 44 anos e sentir os efeitos de um envelhecimento chegado demasiado cedo, quando ainda nem alcançou o topo da carreira (nem provavelmente irá alcançar!), Rob leva esta fase da vida na maior das descontrações, sempre animado com as imitações de outros atores, que não se cansa de repetir (Michael Caine, Sean Connery, Al Pacino, Hugh Grant, etc). Mas a sua alegria congénita exaspera frequentemente o parceiro, que se arrepende vezes sem conta de o ter convidado.
Uma das mais aliciantes revelações do filme está na forma como nos é dada a conhecer a paisagem da Inglaterra profunda, completamente distinta da que usualmente conhecemos relativa às suas cidades. E, com ela também somos orientados para a grande literatura de Coleridge ou Richard Burton ou a pintura de Gainsborough ou Turner. Sempre com um dos requisitos incontornáveis das sitcoms britãnicas: esse humor fino, nem sempre percetível à nossa pouco sofisticada latinidade.
Não chegamos à irrisão dos Monty Pithon, mas estamos no mesmo caldo de cultura em que o absurdo pode acontecer a qualquer instante, como o do gag em que Steve irrita Rob ao contar-lhe dados enciclopédicos sobre uma determinada paisagem, que o outro quer usufruir em silêncio e se vê, logo em seguida, vitimado por outro «chato», quando sobe ao topo de uma colina para desfrutar da plenitude de um vasto horizonte e um outro amador de escaladas o começa a torpedear com uma lição similar.
O problema do filme é ser demasiado inglês, o que o torna amiúde entediante para quem não está imerso na respetiva cultura. Sobretudo, porque pouco se passa para além das visitas aos restaurantes e aos albergues ou dos diálogos intermináveis entre os dois viajantes.
Steve vai-se dividindo entre telefonemas para os agentes ou para o filho adolescente de um seu anterior casamento e os efetuados para o outro lado do Atlântico para onde se mudou a mais recente namorada, apostada em refletir sobre a crise na relação entre ambos. O ciúme, a saudade e a dúvida se não seria ela efetivamente a tal e a deixara escapar, atormentam Steve, que não se priva, porém, de ir dormindo com algumas rececionistas de passagem.
Mas, enquanto Rob regressa a uma casa acolhedora, aonde a mulher e a bébé constituem motivo de grande alegria, Steve vê-se condenado a regressar ao seu apartamento, decerto bastante moderno e sofisticado, mas dolorosamente frio.
Que melhor representação pode haver da oposição entre a genuinidade dos afetos em comparação com a futilidade dos prazeres passageiros?

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