terça-feira, 16 de outubro de 2012

LIVRO: «O Clube Dumas» de Arturo Perez Reverte


Houve um tempo em que Arturo Perez Reverte publicava livros, que eram sinónimo de grandes êxitos literários.  Deixara, então, para trás uma vida de repórter, que o levara a zonas de grandes conflitos, entre os quais os então ocorridos na antiga Jugoslávia, e dedicara-se a romances de aventuras com um conteúdo erudito bastante interessante.
É o caso deste «O Clube Dumas» em que se mistura a temática policial com o sobrenatural, sob um fundo de bibliofilia bastante documentado.
Os êxitos de vendas de livros, que tem desde então protagonizado, não correspondem a obras tão singulares quanto esta que, de criticável, só poderá  conter uma confusão entre tramas aparentemente interligadas, que se descobrem afinal autónomas.
Para começar temos Boris Balkan, que será quem nos irá contar a aventura vivida por Lucas Corso durante mais de quatrocentas páginas e o define como um mercenário da bibliofilia, um caçador de livros por conta alheia.
É Balkan quem aconselha Corso a consultar um conhecido grafólogo parisiense sobre a genuinidade de um manuscrito de Dumas, intitulado «O Vinho de Anjou», que o editor La Ponte adquirira ao bibliófilo Enrique Tallefer antes deste surgir enforcado no próprio salão.
Mas outra tarefa ainda mais ambiciosa o espera: certificar a autenticidade de um dos três exemplares conhecidos de «As Nove Portas», célebre tratado de demonologia impresso por Aristide Torquia no século XVII, razão porque acabara queimado na fogueira da Inquisição em 1667.
Esse exemplar fora-lhe confiado por Varo Borja, que lhe sugerira a análise comparativa com os outros dois exemplares conhecidos, um pertencente à famosa coleção de Vitor Fargas em Portugal e o outro à Fundação da Baronesa Ungern em Paris.
A visita de Lucas Corso a casa da viúva Tallefer serve para melhor o caracterizar: míope, baixo, mal vestido, ele é o misantropo que se entretém a recriar a batalha de Waterloo em tabuleiros à escala aonde a sorte das armas pende, invariavelmente, para o lado napoleónico.
Para o leitor começam, então, a ser sugeridas algumas dúvidas: porque terá Tallefer vendido aquele precioso documento a La Ponte em vésperas de se suicidar? E terá sido, de facto, um suicídio, tendo em conta o entusiasmo com que estava a escrever um pastiche dos seus adorados folhetins novecentistas? Ademais, quem será o motorista do Jaguar, que começa a chamar a atenção de Corso nas suas sucessivas deslocações?
Que o trabalho solicitado por Varo Borja comporta riscos sérios começa Lucas Corso a compreender, quando sai de casa do bibliófilo de Toledo e quase se faz atropelar por esse mesmo homem, que sabe ter visto no bar da Makarova e à porta da viúva Tallefer.
Por essa altura já suspeitava que o manuscrito de Dumas e As Nove Portas eram apenas pontas de um icebergue e que para a sua compreensão era necessário conhecer antes as outras histórias que se atavam umas às outras.
Corso começa a assumir uma confusão entre a ficção e a realidade, quando vê no seu perseguidor anónimo um sósia do tenebroso Rochefort, um dos mais perigosos sicários do Cardeal Richelieu n”Os Três Mosqueteiros” e a quem D’Artagnan matara por engano, quando ambos combatiam pelo mesmo lado, depois de intensos duelos entre ambos. E a viúva Tallefer não será a reencarnação da perigosa Milady, facilmente disposta a deitar-se com os inimigos para melhor os vencer? Como ocorre com a dádiva do seu corpo a Corso para dele obter (em vão) o manuscrito de Dumas de volta…
Mas já este se dirige a Portugal para dar continuidade ao trabalho encomendado por Borja: Corso esteve em Lisboa menos de cinquenta minutos; o tempo necessário para ir da Estação de Santa Apolónia à do Rossio. Hora e meia mais tarde pisava o cais de Sintra sob um céu de nuvens baixas que se esbatiam, serra acima, as melancólicas torres cinzentas do Castelo da Pena.
A visita a Vítor Fargas elucida-o quanto a notórias diferenças nas ilustrações do volume de “As Nove Portas” deste com o que tem de autenticar, embora ambos os exemplares lhe pareçam genuínos. Mas, além de reencontrar o sósia de Rochefort no sombrio percurso entre a vila e a casa do colecionador , Corso é instado a escapulir-se rapidamente de Portugal, levado por uma rapariga que se assume como uma espécie de guarda-costas. É que Fargas é assassinado nessa mesma noite e o seu exemplar roubado.
Essa rapariga também se apresenta como personagem literária já que se diz chamar Irene Adler, a célebre aventureira por quem Sherlock Holmes se apaixonara e considerara a única com quem teria desejado casar. E que, em investigação posterior de Corso, descobre ter por morada o 223-B de Baker Street…
A dúvida de Corso é pertinente: será ela um anjo-da-guarda ou uma discípula do Diabo?
Já em Paris ele vê de relance Liana Tallefer e La Ponte a passarem num carro em atitude inequivocamente íntima, o que o leva a ponderar nas aparentes cumplicidades dos seus supostos amigos com quem anda a querer chegar-lhe a roupa ao pelo.
A comparação do exemplar de As Nove Portas da fundação Ungern com os dois já por si estudados confirmam a tese de Corso quanto a diferenças de pormenor, mas significativas, das ilustrações - umas assinadas por Torchia, outras por LCF (Lucifer).
É ao sair da casa da baronesa que, ao atravessar a Pont Neuf, ele se vê novamente atacado por Rochefort, que lhe tenta roubar o saco com os livros, no que falha por mais uma oportuna intervenção de Irene Adler.
Mas esta não lhe pode valer, quando a deixa a dormir no hotel e procura La Ponte e Liana Tallefer no luxuoso Hotel Crillon aonde ambos se tinham alojado.
Atacado pelas costas por Rochefort no próprio quarto de Liana, Corso é deixado ali com La Ponte, pela réplica de Milady, finalmente na posse do manuscrito de Dumas e do exemplar de “As Nove Portas” de Varo Borja.
Nessa altura ainda Corso julga haver uma relação umbilical entre a posse de ”O Vinho de Anjou”  e  de “As Nove Portas”, não sendo excluídos nenhuns meios para tal: a baronesa de Ungern aparece carbonizada nesse mesmo dia na sede da Fundação de onde também desaparece o cobiçado exemplar.
Recordando que no livro de Dumas, o combate decisivo ocorre em Meung, no sul de França, Corso, Irene e o despeitado La Ponte (que se sentira utilizado por Liana Tallefer) dirigem-se para ali.  É este último quem faz a síntese do que então depreendem: em 1666, Aristide Torchia escondeu um exemplar especial. Uma espécie de cópia de segurança distribuída por três livros… É assim?
Com diferenças em oito das suas nove gravuras. E é preciso reunir os originais para que o esconjuro funcione. Ora, quem quer que esteja por trás de Milady/Liane já pode invocar Lucifer.
Em Meung Lucas Corso está ciente de ir ao encontro do Cardeal Richelieu, mas quem encontra é o narrador do livro, Boris Balkan, que o apresenta aos demais sessenta e seis membros do Clube Dumas, cada qual possuidor de um capítulo do manuscrito original de  “Os Três Mosqueteiros” e que lhe explica a razão de ter envidado todos os esforços para recuperar o que Tallefer quisera vender. Mas para Lucas Corso não há qualquer ligação lógica entre a cerimónia anual dos apreciadores de Dumas e o que fora, entretanto, descobrindo sobre “A Nona Porta”.
Rejeitando a adesão ao clube, Corso deixa Meung para trás e regressa a Toledo para um derradeiro encontro com Varo Borja, que conclui ser o autor dos crimes perpetrados contra Vítor Fargas e contra a Baronesa de Ungern.
É ele quem pretendeu, desde o início, apossar-se de todas as ilustrações para procurar o encontro com Lucifer. Para ele a forma de ultrapassar as últimas fronteiras do conhecimento.
Mas, desconhecendo que uma das gravuras é falsa, Varo Borja converte-se numa tocha em chamas, quando avança com o seu ritual demoníaco.
Resta a Lucas regressar aos braços de Irene Adler o que leva o narrador a concluir: cada um tem o Diabo que merece.

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