sexta-feira, 9 de novembro de 2012

FILME: «Cleveland contra Wall Street» de Jean Stéphane-Bron



Na edição de 2011 do Festival Indie um dos filmes de maior sucesso junto do público foi este «Cleveland contra Wall Street» dirigido por Jean Stéphane-Bron. Este é um dos mais talentosos e reconhecidos documentaristas suíços e decidira radicar-se durante algumas semanas em Cleveland, Ohio, porque a 11 de janeiro de 2008 - ainda antes do estoiro da Lehman Brothers - a cidade tentara levar a tribunal vinte e uma das principais instituições bancárias de Wall Street, segundo o município responsáveis por milhares de expropriações imobiliárias.
Em suma, Jean-Stéphane Bron chegou a Cleveland em pleno arranque da crise dos subprimes, cujas consequências - uma crise financeira mundial como não se via desde 1929! - são tristemente conhecidas.
Não podia ser mais oportuna essa estadia em Cleveland para acompanhar tal ação judicial sem precedentes.
Só que a realidade também pode revelar-se a grande inimiga dos documentaristas: bloqueado o processo por argumentos jurídicos desenvolvidos pelos advogados dos bancos, o caso arrisca-se a ser adiado para as calendas sem chegar a bom porto.
Sem processo judicial para cobrir, Jean-Stéphane Bron consegue o acordo da autarquia e das partes civis para o cinematografar sabendo-se à partida a sua falsidade formal, mas desenvolvendo-se-o com extremo rigor: à equipa de produção é facultado o palácio da justiça, os advogados encarregados do caso, as vítimas, as testemunhas, os demais intervenientes e até um intrépido advogado de Chicago convidado a defender os seus habituais clientes (os bancos em causa).
Em vez de interpretação de um papel ficcional dentro deste tema tão dramático, temos uma encenação credível a substituir-se à abordagem real.
O desenvolvimento da ideia torna-se bastante interessante, porque ilustra toda uma estratégia financeira, que se desmascara progressivamente em função dos sucessivos testemunhos.
Quem não compreenda o mecanismo de criação e empolamento dos créditos subprimes encontra aqui uma explicação eloquente: ficamos assim a saber como banqueiros já muito ricos decidiram aumentar ainda mais a fortuna com uma burla bastante eficaz junto dos pobres a quem acenaram com créditos fáceis a taxas de juro exorbitantes, cientes da incapacidade em serem ressarcidos pelo que inevitávelmente apossar-se-iam dos seus bens.
E, ao mesmo tempo, porque estávamos (e estamos numa terra sem lei em que é cada um por si e a banca contra todos) transferiam esses créditos, entretanto titularizados, a clientes mal informados a quem espoliavam sem qualquer escrúpulo, depois de os terem induzido quanto à possibilidade de conseguirem rentabilidades gananciosas.
Foi assim que em Cleveland, cidade em estado de catástrofe social do Middle West, vinte mil famílias maioritariamente negras dos bairros mais desfavorecidos (Slavic Village) tenham sido expulsas das suas casas de um dia para o outro.
Trata-se, portanto, de revisão da matéria dada, mas com uma grande vantagem: em vez de dissertações económicas sobre estes crimes financeiros, vemo-las demonstradas através de rostos concretos de gente por eles vitimada.  E são de facto pessoas impressionantes nos seus dramas desde o técnico de manutenção, que assiste ao leilão da sua casa quinze dias depois, ao polícia que conta o quanto lhe causara sérios escrúpulos a expulsão de uma senhora de 86 anos, que lhe recordara a avó.
O advogado da acusação Josh Cohen mostra uma grande dignidade e sentido de missão convocando a testemunhar o antigo angariador de créditos Keith Taylor, que se reciclara da atividade de dealer, ou o informático Michael Osinski, autor do programa, que possibilitara maior operacionalidade aos bancos nas milhentas transações  diárias executadas no auge desse ilusório sonho americano.
Por conta de Wall Street surge Peter Wallison, um antigo conselheiro de Ronald Reagan, que defende sem rebuços a desregulamentação total do sistema bancário bem como Keith Fisher, o advogado de defesa, mefistofélico no elogio da liberdade empresarial enquanto direito natural inerente à espécie humana.
O processo conclui-se por um veredicto equívoco: embora a decisão de culpabilizar Wall Street esteja em maioria no júri, a declaração de inocência decorre do facto de bastarem três votos de «não culpado» num coletivo de oito para se concluir por esse desencorajante resultado.
Mas sinal ainda mais negativo é o de vermos Barbara Anderson, a grande líder do movimento anti-Wall Street, questionar o candidato Barack Obama quanto ao que tenciona fazer no seu mandato, ouvirmo-lo comprometer-se para uma ação incisiva junto dos bancos e sabermos que, entre 2008 e 2012, ele nada fez mantendo-se o fluxo de expropriações por falta de pagamentos de créditos contraídos em tempos de maiores ilusões.
Esperemos que, neste segundo mandato, o inquilino da Casa Branca se reencontre com a imagem mais exaltante com que surgiu como esperança dos mais desfavorecidos na eleição anterior...

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