terça-feira, 11 de junho de 2013

FILME: «Fake Orgasm» de Jo Sol (2010)

Ao ver este filme trouxe das calendas da memória uma história burlesca passada a bordo de um dos superpetroleiros da Soponata, lá pelos idos dos anos oitenta.
Nessa época, nas longas viagens entre Sines e o Golfo Pérsico, com regresso pelo Cabo de Boa Esperança, o vídeo acabado de chegar a bordo era um apoio imprescindível para que os longos dias a bordo se passassem mais facilmente.
Num desses navios o chefe Iglésias imperava com a sua volumosa estatura e conhecida arrogância. E troçar com os oficiais mais jovens era um dos seus passatempos preferidos.
Um dia coube a sorte a um terceiro maquinista já com algum traquejo mas que, pela primeira vez, chegava a esse mundo dos superpetroleiros, depois de uns anos passados em viagens de cabotagem.
Porque fazia o turno das 4 às 8 da noite ele jantava mais tarde do que a maioria dos demais oficiais, chegando à sala de estar com algum atraso. Mas, nesse dia, esperou-se por ele para meter um filme pornográfico no vídeo gravador.
As primeiras cenas apresentavam uma voluptuosa beldade da cintura para cima e com um par de mamas dignos de realce.
E começava o Iglésias:
- Então, oh terceiro, o que diz desta rapariga?
E o jovem oficial comentava:
- Uma maravilha! Papava-a toda!
- Então olhe bem para ela! - insistia o chefe– Dava-lhe quantas? Duas, três de seguida?
- Mais! Mais! - confessava o rapaz já a babar-se!
Eis que a câmara desce e dá com um falo bem ereto a culminar o rebolar da concupiscente criatura!
A reação do terceiro foi inesperada: lançou um grito e retirou-se apressadamente para o camarote, fechando-se à chave!
Perante atitude tão estranha, o próprio Iglésias foi bater-lhe à porta a convidá-lo a regressar ao convívio dos demais oficiais, sem que ele acedesse. E  mais: faltou aos dois turnos seguintes, o da madrugada e o da tarde seguinte, sempre fechado no camarote.
Já crescia a preocupação com o que se estaria a passar com ele e que tipo de traumas justificavam essa reação intempestiva quando, na noite seguinte, ele voltou a aparecer na sala da televisão para verberar quem com ele tinha gozado daquela maneira.
Terá sido atitude pouco inteligente, porque evidenciou-se, mais do que o preconceito homofóbico, a incapacidade para aguentar uma brincadeira, o que, em ambientes fechados como os de um navio, não são de todo aconselháveis.
Mas se resgatei esta história das brumas mais adensadas da memória é porque «Fake Orgasm» também possui o condão de surpreender, se não mesmo de incomodar, os nossos mais cristalizados conceitos sobre a sexualidade.
Quando o filme começa temos sucessivas mulheres, e depois homens, a simularem orgasmos num palco contando apenas com a expressão corporal e a voz mais ou menos embargada pelo suposto desejo.
Até aí nada de surpreendente, sobretudo para quem vira cena semelhante com Meg Ryan sentada num restaurante em frente a Billy Crystal numa comédia norte-americana de 1989.
A surpresa vem a seguir, quando o apresentador - homem careca, de barbicha no queixo e de meia-idade, muito peludo e tatuado, começa a fazer um strip e acaba por se revelar possuidor de … uma vagina.
A surpresa dos espetadores não podia ser mais expressiva. Porque, de repente, instala-se-lhes a dúvida: é uma mulher num corpo de homem ou vice-versa?
Nesse momento justificam-se algumas dúvidas: não estaremos perante uma espécie de aberração para a qual o nosso voyeurismo é incontornavelmente atraído?
A fronteira entre a pertinência do conceito de performance explorado por Pearlman e o mau gosto da exploração de uma situação desviante tipo freak show é muito estreita e ficamos doravante na dúvida se acabamos num ou no outro lado dessa fina linha divisória.
O performer defende-se: enquanto assumido anarquista do corpo, quer associar as relações humanas para além da sua limitada divisória binária entre o masculino e o feminino. E o desafio é o de sentirmos o desejo não pelo sexo em si do outro, mas por esse mesmo Outro, que somos convidados a descobrir muito para além da pulsão sexual imediata.
Experimentando esse efeito de surpresa junto de diversos públicos, Pearlman defende a importância de quebrar suposições e expetativas , de forma a confrontar os seus espetadores com a inevitabilidade da mudança de referências, única forma de permanecermos vivos. Porque se nada mudar nas nossas perspetivas, morremos, tornamo-nos obsoletos.
Por norma costumo dizer que um espetáculo deverá suscitar em mim uma de três reações para considerar que valeu a pena: encantar-me, surpreender-me, inquietar-me!
No caso deste filme de Jo Sol o encantamento está ausente, mas a surpresa e a inquietação são inevitáveis...


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