sábado, 22 de junho de 2013

TEATRO: « Ai Amor Sem Pés nem Cabeça» na Cornucópia

Confesso que temi a deceção, quando assisti aos primeiros momentos da peça «Ai Amor Sem Pés Nem Cabeça»: apesar da convicção com que Luísa Cruz iniciou a representação do primeiro quadro, Luís Miguel Cintra pareceu-me mais limitado fisicamente  e a opção de recorrer a uma boneca insuflável remeteu-me para outras utilizações do mesmo acessório de forma muito duvidosa.
Três horas e meia depois estava rendido e a rivalizar com os mais entusiásticos batedores de palmas no anfiteatro meio cheio para manifestar o reconhecimento aos dezassete atores e técnicos, que nos tinham acabado de brindar com tão brilhante exercício. Porque, ao optar pela colagem de textos avulsos da literatura de cordel do século XVIII, Cintra arriscou um tipo de sátira, que mantém bastante atualidade, no que reflete da arte de ser português.
Quer se trate do marialvismo inábil dos homens em contraponto com a devoção mais ou menos equívoca das mulheres pelos rituais religiosos, passando pela inoperância dos poderes públicos, constata-se existir então uma pobreza mais ou menos evidente entre todas as camadas sociais, condenadas a encontrarem subterfúgios para irem assegurando a mera sobrevivência.
Nesta altura em que sobram tantos motivos de tristeza faz-nos bem um espetáculo em que, com alguma frequência, somos convidados a rir. Exorcizamos assim muitas das frustrações, que nos fazem sentir irmanados com personagens igualmente possuídas por tão insistentes aflições.
O elenco é brilhante com Luísa Cruz a destacar-se pelo ecletismo dos papéis a que é desafiada, mas há igualmente os excelentes desempenhos da Rita Durão, da Teresa Madruga ou da Sofia Marques ou a segurança conferida pela experiência de Lima Barreto ou de José Manuel Mendes.
E, como sempre, o maravilhoso trabalho cenográfico, tão imaginativo, quanto funcional.
Se o deixarmos perdurar este poder político não descansará enquanto não nos destruir a possibilidade de nos divertirmos com este tipo de estímulos. Mais uma razão para lhe abreviarmos o fim e exigirmos do novo governo novas atitudes para com a cultura.


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