sexta-feira, 26 de julho de 2013

FILME: «O Selvagem» de Jean-Paul Rappeneau

Nestes dias de verão, em que os disparates próprios da silly season correm por conta do (des)governo, dá gosto ver um entretenimento inteligente como o é este filme de Rappeneau rodado há trinta e oito anos, quando Montand ainda evocava algumas preocupações de esquerda e a Deneuve estava no auge da sua beleza.
À partida adivinhamos uma história romântica e não nos enganamos. Mas Rappeneau divertiu-se, e diverte-nos, a seguir caminhos diversos do que nos sugeriam os estereótipos do costume. Porque, sempre que interiorizamos a convicção de vermos a intriga adotar cânones do género, o realizador surpreende-nos com uma alternativa nos limites do credível, mas do tipo «estranha-se, depois entranha-se».
No início estamos em Caracas e temos Nelly (a personagem desempenhada por Catherine Deneuve) a fugir do iminente casamento com um persistente italiano, que conta com o apoio de toda a família em geral e da sua mamma em particular.
No hotel aonde procura refugiar-se dos perseguidores, Nelly conhece Martin (Yves Montand), que acabara de passar a noite com uma prostituta, e lhe facilita nova escapadela ao exaltado Vittorio.
Necessitando de dinheiro para o avião, que a leve de regresso a França, Nelly procura o seu antigo patrão na boîte aonde praticara provavelmente o alterne. Quem interpreta esse papel de Alex é Tony Roberts, que conhecemos dos primeiros filmes de Woody Allen. E que lhe recusa esse apoio. 
Aproveitando a confusão suscitada pela intempestiva chegada de Vittorio, Nelly pega num Toulouse-Lautrec pendurado na parede do escritório da boîte e inicia uma fuga na companhia de Martin - que procurara novamente no hotel aonde ele compensava no sono os seus recentes esforços! - e que acaba no aeroporto com o seu embarque no avião para Paris. Com Vittorio e Alex a falharem por um triz a interseção!
Estávamos já convencidos da transferência para França da continuação da história, quando acompanhamos Martin até à ilha aonde faz figura de solitário habitante e deparamos aí com… Nelly!
Nessa altura pensamos que Rappeneau terá de arranjar uma boa desculpa para acreditarmos nessa reviravolta e nos pormos a aceitar na love story, que se adivinha.
A explicação é plausível, mas no limite da inverosimilhança. Mas não tardamos a ser equivocados por nova surpresa no argumento: quando esperávamos, que eles vivessem uma relação tórrida com muitos filhos à mistura, eis que só partilham a cama na primeira noite, logo cortando relações e vivendo em casas distintas situadas o mais distantes possíveis entre si.
Acresce que Nelly conseguira, entretanto, afundar o único barco em que poderiam alcançar o continente pelo que sobrevivem na condição de náufragos desavindos.
Esperamos, entretanto, a salvação de uma mulher de meia-idade, que nos parecera obcecada afetivamente por Martin, captando-o continuamente com a sua câmara fotográfica chegando a sobrevoar a ilha num pequeno avião.
Mas não se trata afinal de nenhuma fixação platónica: ela está ao serviço da americana com que Martin casara e dos sócios do império de perfumaria de que ele fora o presidente até lhe dar a súbita vontade de imitar Robinson Crusoe. Afinal a aparente exploração agrícola da ilha é uma mistificação: os comerciantes a quem Martin vende a produção em Caracas são pagos por essa fotógrafa compulsiva.
Quem se antecipa, entretanto, é Vittorio, Alex e todos os seus mercenários, que raptam Nelly, incendeiam a casa principal da ilha e deixam Martin inconsciente no cais.
Na manhã seguinte, quando Miss Mark volta a sobrevoar a ilha de avião, depara com uma situação, que a obriga a recorrer aos grandes meios de que a firma de Martin dispunha: ele é levado para o hospital e só recupera daí a algumas semanas para ser levado de regresso a Nova Iorque. A complacência com o seu capricho de náufrago solitário acabou-se e ele é instado a retomar a liderança dos negócios.

Porque se escusa a essa hipótese, Martin é incriminado judicialmente por quebra de contrato e vai passar uma temporada à prisão.
Quando recupera a liberdade vai procurar Nelly em Caracas, mas Vittorio dá-lhe conta de a ter visto novamente desaparecer dias depois do casamento a que a forçara.
Será já em França, na terra que a vira nascer, que Martin a irá encontrar. E presume-se, que ocorrerá finalmente o final feliz...
É claro que subsiste no filme uma vaga reminiscência das ilusões de uma época em que a Ecologia começava a ganhar relevância ideológica, até então desconhecida.
Para muitos dos que contestavam a sociedade de consumo e os métodos do capitalismo selvagem, o regresso à Natureza afigurava-se alternativa atraente. Mas esse tipo de utopias apenas abriu portas ao agigantar de um monstro, que se viu sem constrangimentos a partir da invenção da perestroika pelo ingénuo Gorbatchov.
Na realidade quem execra a desigualdade social ficou muito mais desarmado, quando outras propostas ideológicas - supostamente mais irreverentes e radicais! - se vieram substituir ao modelo marxista, que até então predominara enquanto alternativa ao estado das coisas para que involuiríamos!



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