terça-feira, 16 de julho de 2013

LIVRO: «Trilogia Suja de Havana» de Pedro Juan Gutierrez (1)

Por mero acaso veio-me parar à mão a «Trilogia Suja de Havana» de Pedro Juan Gutierrez, uma antologia de textos escritos entre 1994 e 1997, distribuídos por três títulos distintos e conceptualmente algo diferentes entre si.
Apesar de desconfiar por natureza de tudo quanto se desvie de uma perspetiva complacente para com o regime castrista, senti-me tentado a experimentá-lo.
Encontrei assim, logo nas primeiras páginas, uma filosofia hedonista do autor, que assume como principal motivo de interesse o sexo puro e duro, sem romantismos nem delicadezas.
Pedro Juan Gutierrez seria assim uma espécie de reencarnação de Henry Miller , como se o autor dos «Trópicos» fosse parar a uma Cuba em grandes dificuldades por causa da queda do Muro de Berlim, com a miséria e o desemprego a compor o cenário de prostituição e de desenrascanço generalizado em que todos se parecem movimentar.
O primeiro dos três livros, que compõem este volume, chama-se «Ancorado em Terra de Ninguém» e tem logo, no primeiro texto, uma defesa do ponto de vista misógino em que Gutierrez se situa:  é que o sexo não é para gente escrupulosa. O sexo é um intercâmbio de líquidos, de fluidos, saliva, respiração e cheiros fortes, urina, sémen, merda, suor, micróbios, bactérias. Ou não é. Se é só ternura e espiritualidade etérea então não passa de uma paródia estéril do que podia ser. (pág. 13)
Em tempos o autor tivera aquilo, que se assemelhara a uma boa vida. Partilhava a cama com Jacqueline - que o abandonaria para tentar a sorte como escultora em Nova Iorque - e tinha emprego estável como locutor numa rádio: éramos felizes e vivíamos bem, apesar de eu ganhar a vida a fazer um jornalismo malsão e cobarde, cheio de concessões onde me censuravam tudo, o que me angustiava, porque todos os dias me sentia cada vez mais como um mercenário miserável, com a minha ração diária de pontapés no rabo. (pág. 14)
Mas o distanciamento em relação ao regime de Fidel Castro tinha ocorrido com a chegada à meia-idade, porquanto, apesar de descritos de uma forma violenta, vivera décadas como fiel seguidor da Revolução: durante muitos anos tentei ver-me livre da merda toda que havia acumulado em cima de mim. E não era fácil. Quando se passa os primeiros quarenta anos de vida sendo-se um tipo dócil, bem domesticado, acreditando em tudo o que lhe dizem, depois é quase impossível aprender a dizer “não”, ”vão p’ró caralho”, “deixem-me em paz”. (pág. 30)
No contexto difícil em que tenta sobreviver, Gutierrez conclui: Eu estava a endurecer. Tinha três opções: ou endurecia, ou endoidecia, ou me suicidava. Por isso era fácil decidir: tinha que endurecer. (pág. 30)


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