sábado, 17 de agosto de 2013

IDEIAS: demonstrar ou experimentar o conceito de Deus

Sou e serei sempre ateu! O que significa um desencontro definitivo com a ideia de transcendência, meso sabendo quanto ela me poderia conferir aquilo que alguns assumem como uma forma de consolo face à solidão perante a imensidade do cosmos: o agnosticismo. E nem posso dizer, como Vinicius Moraes, que deus morreu de cancro e passou a ser uma ausência a partir de certa altura.
Ainda assim cresci numa família tradicional, aonde era normal batizarem-se os que nasciam, vestir as meninas de anjinhas para participarem em procissões ou garantir a extrema-unção a quem estava a morrer. E as peregrinações a Fátima eram vividas como excursões aonde se juntavam avós, tios, pais, primos e amigos. Mas já então a ideia de mistério não era a de uma qualquer entidade divina, mas a das sombras noturnas nos acampamentos aonde acampávamos e partilhávamos os pasteis de bacalhau trazidos pelas mulheres para satisfação dos estômagos famintos.
Terá sido por altura da puberdade, que o prazer da descoberta de sensações onanísticas entrou em contradição com a sua condenação por acusação de vicioso pecado. Se a manipulação do pénis me conduzia a uma dimensão até então desconhecida de prazer como poderia aceitar os conselhos de padres e professores quanto aos seus custos terríveis para a saúde e para alma?
Terá sido por essa altura que me desencaminhei definitivamente da ideia de deus, até porque a conquista espacial estava no auge com a chegada da Apolo 8 à órbita da Lua e não havia qualquer notícia sobre o eventual encontro de Frank Borman, James Lovell ou  William Anders com qualquer ser divino.
Sem verbalizar esse desencontro com as crenças dominantes interiorizei qual são tomé, que não poderia crer em algo que não via, nem sentia.
Desconhecia então o que os filósofos iluministas tinham congeminado sobre essa possibilidade. Descartes, por exemplo, partia do pressuposto que deus era perfeito e como tal existia, porque caso contrário constituiria uma imperfeição inimaginável.
Manifestamente Descartes não chegara ainda à conclusão que a lógica é muitas vezes uma batata.
Um século depois foi Kant a desaprovar os esforços de Descartes para dar existência ao que permanecia invisível, porque a imaginação de algo não implica propriamente a sua realidade concreta. Para o autor da «Crítica da Razão Pura» a existência de deus não se demonstra, como aliás Santo Agostinho já propusera quando falara do credo quia aburdum. A relação com deus decorreria da experiência de cada pessoa e não da sua demonstração. O sentimento de deus seria, assim, uma categoria especifica da experiência humana e que ficaria muito para além da Razão.
Kant e Pascal até ironizaram com os esforços vãos dos jesuítas em prosseguirem tenazmente a busca dessa demonstração, porque eles apenas se desencontrariam do seu objeto de devoção. E Spinoza também considerava que qualquer determinação sobre deus corresponderia à sua negação.
Os filósofos concluem, então, que a busca racional de deus só é possível a montante e a jusante da experiência mística. No primeiro caso conduzindo-o à beira do mistério divino e depois rastreando os resultados do que se terá vivido durante essa exaltação.
No próximo texto revisitaremos estes conceitos tal qual foram traduzidos num belo quadro de um pintor holandês do século XVII pertencente à escola de Utrecht: Gerrit von Honthorst.


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