segunda-feira, 9 de setembro de 2013

LITERATURA: Don DeLillo e a realidade desdobrada

O Don DeLillo dos primeiros romances denota muitas influências, que então se exerciam sobre ele: Nabokov, William Gaddis, Thomas Pynchon, John Hawkes, Joseph Heller, William Burroughs, Beckett e Gertrude Stein. Ou James Joyce, que lhe permite articular a condição de filho de emigrante, marginal e desadaptado.
Mas, mais ainda do que a literatura é talvez a “revolução estética” dos anos 50 a revelarem-se determinantes na criatividade de DeLillo.
Ele descreveu-se como um filho de Jean-Luc Godard e da Coca-Cola: a nova vaga francesa, mas também Antonioni, Bergman ou Kurosawa influenciaram a sua perceção do que seria o ofício da escrita.
Igualmente influentes os grandes nomes da pintura da Escola de Nova Iorque: Motherwell, Rothko, Jackson Pollock ensinaram-lhe a cuidar da tela do seu texto como se fosse um espaço de sinais quase abstratos.
E há ainda o jazz, que o motiva a escrever sobre Thelonious Monk, John Coltrane ou Sonny Rollins.
Sempre atento ao rumor filtrado pelo nosso quotidiano, o romancista capta a musicalidade inerente a cada ilha linguística que explora. Em tal esforço imita Zola, que visitava sempre um meio social diferente (a mina, o grande armazém, a prostituição, a ferrovia, a terra, etc.) para cada um dos seus novos livros. DeLillo faz de cada um dos seus livros uma espécie de monografia de um microcosmos: a publicidade, o futebol~americano, o rock’n rol, os matemáticos, Wall Street e a alta finança, os colecionadores de materiais eróticos, a análise dos riscos e a arqueologia, a cidade de província, a CIA e os seus enclaves.
Cada um desses mundos revela-se fechado em si mesmo, protegido, aveludado nos seus ritos e idiomas, o seu dialeto, que o escritor adora transcrever.
Cada um tende, igualmente, para os limites do conceito de seita, um fenómeno que fascina DeLillo.
Acontece com frequência que o protagonista dos romances de DeLillo procure sair das “imagens”, mas também das “sombras” e dos “duplos” da realidade das palavras.
Em «End Zone» (1972) o microssistema linguístico é o código secreto pelo qual os jogadores e o treinador comunicam no estádio do futebol americano. No final, na zona terminal do título, o treinador deixa esse espaço fechado para viver a reforma na tundra texana e aí limitar-se a ser um pequeno sinal, que se apaga no silêncio.
«Great Jones Street» (1973) é um conto fantástico sobre os media, através da história de uma vedeta do mundo rock, numa espécie de mistura entre Bob Dylan e Mick Jagger. A sua imagem leva os fãs ao delírio até ao dia em que decide abandonar tudo para se refugiar num velho edifício abandonado em Manhattan. Exila-se no anonimato fingindo-se de morto. Mas lá fora, o produtor continua a explorar a sua imagem. A contragosto o desaparecido transforma-se no herói de uma comunidade hippie que aguarda que ele leve até ao suicídio o seu esforço de auto-apagamento.
Já se perfilam dois temas insistentes: o retraimento paranoico de um grupo sobre si mesmo e o que se poderia designar por fantasma escatológico de espera, de expetativa pelo apocalipse.
Isso volta a confirmar-se em «Players» (1977) em que um corretor, intrigado por um crime em Wall Street, acaba por entrar num mundo subterrâneo, clandestino, do terrorismo e da guerrilha urbana. Ou ainda em «Running Dog» (1978): numa Nova Iorque cinzenta, a polícia descobre o cadáver de um travesti, que fora o primo do antigo estenógrafo de Hitler, o homem que saíra do bunker de Berlim com um filme pornográfico amador com o próprio Fuhrer como ator. A escatologia assume aí a forma de um delírio sobre o “crepúsculo dos deuses” nazi.
No entanto, surgira de permeio um outro romance em que surge uma outra vertente de DeLillo, a de ser uma espécie de micro-enciclopedista. «Ratner’s Star» (1976) é um romance de ficção científica, mas epistemológico. Billy Twilling tem catorze anos, vive no Bronx e é um geniozinho da matemática. Enviam-no para um instituto algures no deserto chinês para decifrar um misterioso sinal, que se julga proveniente de uma longínqua estrela, batizada com o nome do seu inventor, Shazar Ratner, astrónomo e cabalista. O que começa por ser uma “ópera espacial” dá uma reviravolta e torna-se numa viagem no tempo: a mensagem proviria de uma antiga civilização, que teria, em distante passado, ocupado o planeta. Trata-se de um regresso às Pré-História a permitir que DeLillo elabore uma espécie de história da matemática desde o Antigo Egipto até Cantor, passando por Pitágoras, Kepler, Descartes, Newton e Leibnitz, num romance abstrato com uma estrutura em forma de espelho...


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