terça-feira, 15 de outubro de 2013

FILME: «Au Bout du Conte» de Agnés Jaoui

À partida começamos em ambiente de contos de fadas ao jeito de Perrault ou dos Grimm: Laura conta à sua tia Marianne o estranho sonho, que teve numa das últimas noites: ia pela floresta e um anjo apontava-lhe um príncipe encantado. Parecemos, pois, destinados ao mundo da fada madrinha, do Capuchinho Vermelho ou da Bela Adormecida!
Ora acontece que, dias depois, no Baile dos Príncipes, a rapariga encontra a quase reprodução desse sonho na figura de Sandro, um jovem compositor ali surgido quase ao acaso. E que, por ter de ir buscar a mãe à meia-noite ao bar que ela gere, sai dali apressado, deixando para trás um dos seus sapatos.
Esse mesmo Sandro conhecêramo-lo em cena anterior, quando comparecera ao enterro do avô e aproveitara para pedir financiamento ao pai, Pierre, um severo ateu niilista. Ademais, agravado nas tendências depressivas por ter sido recordado nessa ocasião quanto ao facto de, há quarenta anos,  uma vidente lhe ter prognosticado a data precisa da morte: o dia 14 de março desse mesmo ano, que está quase a surgir no calendário.
Laura e Sandro voltam a encontrar-se por acaso numa rua movimentada onde ele ganha algum dinheiro em inquéritos de mercado. Surge assim o rápido enamoramento, que os leva a oficializarem o noivado algumas semanas depois junto das respetivas famílias. Não podiam, porém, imaginar que um lobo andava por ali armado em predador de jovens inocentes. Trata-se de Maxime Wolf, um crítico musical disposto a ajudar Sandro a afirmar-se como compositor de sucesso, mas sedutor de todo o rabo de saia, que lhe passasse ao alcance.
Enlevada pelo Don Juan, Laura descarta Sandro, só se apercebendo demasiado tarde do seu erro: encontrara o príncipe encantado, mas não o soubera conservar. Quando tenta corrigir o erro, já ele está tomado de novos amores com uma violoncelista da sua orquestra de câmara: a complacente Clémence (ora pois!).
Restam Pierre, que passa pelo 14 de março sem morrer e, porventura, a adocicar a forma de olhar à sua volta, e Marianne só no final capaz de perceber, porque na peça infantil por ela encenada numa escola, o príncipe se recusava a beijar a princesa: é que a miúda em causa já o trocara por um dos outros intérpretes secundários, um zorro do tipo latin lover. Sempre a história dos amores frustrados!
No quarto filme, que realiza a partir do argumento coassinado com Jean-Pierre Bacri, Agnés Jaoui volta a esboçar o retrato de um grupo impregnado pelo espírito do tempo e do lugar, com os jovens a perderem a inocência e os mais velhos a deixarem de ser tão contidos quanto as circunstâncias os obrigavam.
Com uns e outros a compreenderem a exequibilidade de conseguirem viver com menos ilusões.
Temos assim uma rapariga, que acreditava no grande amor, nos sinais legados pelos sonhos e no destino. Uma mulher, que sonhava ser atriz, mas que nem consegue conduzir o próprio carro senão numa emergência. Um jovem, que acreditava no seu talento de compositor, mas não em si mesmo e por isso gaguejava. E um homem que, em nada acreditava até se deixar obcecar pela previsão de uma vidente de feira.
Os temas são os mais comuns: o casamento, a separação, a educação dos filhos, a transição da adolescência para a vida adulta, a chegada da velhice e a morte.
Mas também se desmistificam os paliativos, que inventamos para melhor conseguirmos viver: a religião, o dinheiro, os sonhos, os símbolos. Só se salvaguardando o mais relevante de todos eles: o Amor.
Não sendo um daqueles filmes de encher a alma, «E Viveram Felizes para Sempre», que se estreia esta semana em Portugal, não deixa de ser um divertimento inteligente como o casal Jaoui-Bacri já nos habituou.



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