quarta-feira, 2 de outubro de 2013

FILME: «Skyfall» de Sam Mendes

Não frequentando habitualmente o cinema de ação - que, ora tende para leituras ideológicas controversas, ora, na melhor das hipóteses, para estéril entretenimento - decidi-me a ver «Skyfall», dias depois de gastar duas horas com o «Jack Reacher», interpretado pelo Tom Cruise.
Guiou-me a mesma razão que um conhecido historiador comunista, que inibia o filho adolescente (hoje respeitável humorista desta praça!) de ver os «Rambos» desse tempo, mas abria exceção para os não menos suspeitos filmes do agente 007.
Eu pecador me confesso de me divertir bastante a ver muitos dos filmes desta série já com mais de cinquenta anos de presença cinematográfica, sobretudo quando interpretados por Connery, Brosnan ou Craig.
É claro que, enquanto espectadores, somos obrigados a engolir cenas de uma exagerada inverosimilhança, mas se nos alhearmos dessa incontornável inevitabilidade, nota-se o dedo de um realizador muito respeitável como o é Sam Mendesneste mais recente filme da série.
Ademais, se pretendermos conferir alguma caução intelectual ao que começou por ser mero divertimento, podemos sempre aprofundar os ecos de tragédia grega pressentíveis na história através da revolta contra-edipiana de um “filho” para com a putativa “mãe”. Porque o que move o vilão Silva, interpretado por Javier Bardem, não é mais do que uma vingança definitiva contra M, que o abandonara à sua sorte, quando ele estava em risco de vida numa missão na então China comunista. Ela que representava para ele a figura maternal, traíra-o, quando se tratara de tomar opções.
Nesse sentido Silva é o contraponto de Bond, que vemos, logo no início do filme, a passar por uma situação semelhante - quase morre, porque entre perder um ficheiro precioso com a identidade dos agentes do MI6 junto de inúmeras organizações terroristas e o seu agente preferido, M preferira esta última possibilidade.
Bond teria, pois, tantas razões para se vingar de M, quanto Silva, mas isso significaria abdicar de uma perspetiva de lealdade para com a organização, que o recolhera na condição de órfão e lhe dera a «educação» necessária para se vir a tornar no espião com licença para matar.
Existe, pois, algo de luta entre Abel e Caim nas batalhas sucessivas que se decidem em Skyfall, na Escócia, naquela que fora a casa familiar de Bond até à adolescência, quando então não pudera impedir o assassinato dos progenitores.
Como de costume existem perseguições com carros, motas e dentro de comboios ou metropolitanos. Cenas memoráveis como as passadas nos telhados do Grande Bazar de Istambul, numa torre de escritórios de Xangai iluminada pelos néons dos anúncios ou com a orgasmática sucessão de explosões na quinta escocesa.
E ainda os desempenhos de gente irrepreensível como o são Craig, Judi Dench, Bardem ou Finney.
Passadas mais de duas horas de animado alheamento de toda a conjuntura inquietante, que nos afeta todos os dias, podemos voltar a essa realidade cientes de que seriam precisos dotes de superagentes secretos para eliminar de vez as troikas, as agências de rating, os banqueiros, os especuladores financeiros e toda a chusma de vilões, que usam toda a sua artilharia para nos atrapalharem a vida.



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