quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

IDEIAS: A Cortesia na ação política

Alceste, o protagonista de «O Misantropo» de Molière, odeia toda a humanidade, por nela prevalecer a hipocrisia, a cobardia e o compromisso. Por isso temos no seu diálogo com Philinte, a sua manifesta antipatia pela cortesia, pela delicadeza, que seria precisamente um exemplo lapidar dessa hipocrisia. Assim, quando alguém deseja um “bom dia” a alguém pode quase por certo sentir indiferença por que tal suceda ou não. Quando alguém diz “prazer em conhecê-lo” pode, perfeitamente, estar a sentir o contrário.
Em suma, no seu egocentrismo, Alceste dá razão a Immanuel Kant, quando este dizia que a cortesia é uma moeda falsa, mas necessária, no comércio das pessoas. Trata-se, pois, de uma forma de atenuar o desejo de ser reconhecido.
Do diálogo entre os dois personagens de Molière, é fácil concluir que Philinte é demasiado delicado para ser honesto, enquanto Alceste é demasiado honesto para ser delicado.
Mas, se transpusermos para a política a autenticidade desses sentimentos, o que teremos? A questão põe-se perante a imagem de Henri Emmanuelli, um dos senadores socialistas que, ainda sob o governo da dupla Sarkozy/ Fillon apresentou o “doigt d’honneur” ao então primeiro-ministro em plena assembleia francesa.
A condenação ao político socialista foi quase unânime por quanto essa imagem se mostrava incompatível com a “dignitas” exigível ao cumprimento das funções públicas.
A cortesia revela-se um pré-requisito imprescindível na atividade política com os seus códigos próprios. Já vimos ministros a caírem em desgraça por violarem esses códigos, como sucedeu com Manuel Pinho depois do seu conflito gestual com Bernardino Soares.
A cortesia é o respeito das aparências em vez da aparência do respeito. Ou é a aparência da virtude em vez da virtude da aparência.
O termo francês de cortesia - politesse - e uma versão portuguesa possível - polidez - provirá do grego «polis» (cidade) e refletiria o tipo de comportamento adequado para uma vida em sociedade desde que ela ganhou uma dimensão maior do que a tribal.
Mas um filme como «Os Despojos do Dia» de James Ivory também exemplifica os excessos no cumprimento dos códigos de cortesia, impedindo a felicidade de quem os cumpre com demasiado rigor: a relação amorosa entre o mordomo (Anthony Hopkins) e a governanta (Emma Thompson) nunca se consumará por essa perspetiva.


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