quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

POLÍTICA: aquele que está vivo não diga nunca NUNCA!

Numa crónica publicada há mais de uma dúzia de anos, Eduardo Prado Coelho extraía uma anedota saborosa de um livro de Joaquin Estefanía, então publicado, e onde dois antigos membros do Partido Comunista da União Soviética se encontravam para a troca de palavras desconsoladas.
Dizia o primeiro: “Sabias que tudo o que ‘eles’ nos diziam sobre o comunismo era mentira?” E o segundo responde: “Claro, claro que sabia, mas o pior não é isso: o pior é que tudo o que ‘eles’ nos diziam sobre o capitalismo era verdade.”
Se a estória fazia todo o sentido nessa altura, quando a Rússia já era comandada por uma oligarquia dominada pelos antigos quadros do KGB e do PCUS subitamente reciclados em capitalistas de Estado, ela ainda ganha maior significado nesta fase da História humana.
Na época áurea da Guerra Fria, o Ocidente espalhava histórias de comedores de criancinhas e de injeções atrás da orelha nos velhos, enquanto os estalinistas não poupavam os seus inimigos contando exemplos de desigualdades e de miséria como fruto da aplicação de um capitalismo exclusivamente a soldo dos patrões.
Os trabalhadores do lado de lá do muro de Berlim podiam aceder a bens essenciais a preços módicos nas lojas geridas pelo Estado e frequentavam mais facilmente os seus Bolshois do que os seus émulos sujeitos à exploração do patronato ganancioso. E era esse o mito difundido efetivamente pelos poderosos partidos comunistas que, na clandestinidade ou na legalidade, sonhavam com uma Europa internacionalista sob a bandeira da foice e do martelo entre o Atlântico e os Urais.
Pelo medo em que isso ocorresse, os patrões ocidentais e os governos por si manipulados, criaram uma legislação laboral tépida em que alguns direitos essenciais pareciam definitivamente conquistados. Graças às sociais-democracias nórdicas  e às democracias-cristãs do sul da Europa até se presumia irreversível a implementação de um Estado Social, que adormecia quem dele usufruía à sombra de direitos, que já não careciam ser conquistados nem preservados.
A estratégia capitalista revelou-se tremendamente eficaz, até porque a gestão a leste revelava-se incompatível com o crescimento económico e com a criação de condições de acesso a bens de consumo excitantemente supérfluos, como eram o caso de automóveis de linhas estéticas e de desempenho impressionantes ou os eletrodomésticos capazes de transformarem em utopia o quotidiano das mulheres ocidentais.
A implosão de 1989 era um evento anunciado por muito que, tolhidos pelas aparências de então, a julgássemos improvável.
Mas, passadas duas dúzias de anos, e já sem a ameaça de uma utopia, que todos os media se encarregaram de desqualificar, os capitalistas ocidentais estão a acelerar o seu programa de esvaziamento do que  constituíra a cortina de fumo com que tinham enganado os proletários das antigas “repúblicas socialistas” e tolhido as vontades dos que viviam do lado de cá. Uma cortina eficiente, mas dispendiosa e impeditiva de se locupletarem com uma parcela maior das mais-valias produzidas.
Servindo-se das bolsas, das agências de rating, das instituições internacionais (FMI, Banco Europeu de Investimento, Comissão Europeia, etc.) e dos governos designados pelos donos das grandes empresas e dos meios de comunicação, esses interesses, que se comportam habitualmente como eminências pardas dos que aparentam deter o poder político, estão a promover o que de pior tinha o capitalismo na visão estalinista dos anos 30: a tentativa de criação de um abismo de direitos entre um núcleo muito limitado de detentores do capital e uma vasta maioria de cidadãos empobrecidos, incultos e resignados.
É tenebroso este capitalismo despojado das suas máscaras de humanismo, de concertação social e de preocupações com a justiça. Exatamente o contrário do que a Revolução Francesa propunha com a sua Declaração dos Direitos do Homem. Nem Liberdade, nem Igualdade, nem Fraternidade.
Mas terão os senhores do dinheiro a ilusão de terem a seu favor os ventos da História? Provavelmente até apostam que sim. Por isso semeiam ventos, que lhes poderão valer, mais tarde ou mais cedo, inesperadas tempestades...


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