sexta-feira, 14 de março de 2014

HISTÓRIA: Escravatura e Capitalismo

(A propósito do livro «River of Dark Dreams» de Walter Johnson)
Durante décadas andámos a debitar ideias falsas sobre a história norte-americana do século XIX: antes da Guerra Civil imaginávamos o Norte industrializado e o Sul caracterizado por uma agricultura baseada na exploração do trabalho escravo. De um lado imperaria o capitalismo, enquanto do outro subsistiriam relações sociais inerentes ao modelo feudal.
A Guerra Civil seria assim explicada como o resultado de uma forçada modernização da sociedade atrasada do Sul por uma União apostada na potenciação da Revolução Industrial.
Explicar-se-ia assim a perenização  de uma pobreza larvar a sul com o Mississípi a manter-se há décadas como o Estado com piores índices de rendimento per capita.
Só que, antes do conflito fratricida o Sul era bem mais desenvolvido do que o Norte: em 1860, 2/3 dos americanos mais ricos viviam aí, havendo mais milionários no Luisiana e no Mississípi do que no Massachusetts ou em Nova Iorque. Ademais havia mais capital investido em escravos do que em estradas e estabelecimentos industriais.
O que Walter Johnson vem propor é uma outra leitura da realidade de então: os donos dos escravos constituiriam a quinta-essência do capitalismo americano. Não só estavam atentos às tecnologias, que lhes possibilitassem melhores produções, como consumiam informação financeira bastante para se tornarem especuladores bem sucedidos. Na realidade eles eram verdadeiros rapaces especializados na transformação da conversão do trabalho em mercadoria
Era igualmente falsa a inocência nortista em relação ao esclavagismo: muitas das fábricas aí situadas dedicavam-se à conversão do algodão produzido no Sul em têxteis baratos depois revendidos para esses Estados sulistas a fim de serem envergados pelos afro-americanos.
Ademais eram poucos os investidores nortistas rendidos à industrialização: estavam muito mais vocacionados para lucrarem com a atividade comercial relacionada com a produção do algodão através dos navios de transporte, do financiamento e dos seguros das colheitas. Na realidade, entre 1820 e 1860 o algodão era a principal fonte de exportação dos Estados Unidos e estava na origem da prosperidade de Nova Iorque.
O que precipitou a crise terá sido a megalomania dos produtores de algodão do Vale do Mississípi que, convencidos da importância de fornecerem 80% do algodão consumido mundialmente, julgaram exequível comandarem a  ordem dos acontecimentos. Não imaginavam que, tão só começassem a impor o seu modelo de sociedade, logo os compradores da sua produção se virariam para alternativas viáveis como as oriundas da Índia ou do Egipto.
No fundo esses grandes latifundiários do Sul nada tinham aprendido com os antigos plantadores do tabaco da Virgínia e do Maryland também eles em tempos confrontados com a inabalável realidade da concorrência feroz no seio do sistema capitalista.
Johnson conclui que, a exemplo de Marx e de Engels, que tinham compreendido residir na transformação do trabalho em mercadoria a verdadeira essência do capitalismo, os  escravos levaram por diante uma verdadeira contestação a essa realidade, por muitas torturas e assassinatos, que sofressem.
Conclui-se assim que a escravatura entrosou-se com o capitalismo  a tal ponto que, até à Guerra Civil, foram indissociáveis...


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